A resposta europeia à crise do Euro chegou. Para Portugal é uma boa notícia, porque pode significar diminuição da pressão nos mercados da dívida pública, desnecessidade do FMI e, mesmo que o acordo então ainda não esteja assinado, a sobrevivência a um mês de Março que se avizinha complexo, com grande colocação no mercado de dívida na zona euro, incluindo por parte das grandes economias.
José Sócrates tem razão em congratular-se com o passo histórico e em preferir ignorar o modo como surge e os contornos que o envolvem.
É verdade que hoje foi só apresentada uma iniciativa franco-alemã e que vai haver muita negociação antes de se transformar num pacto assinado pelos 17 do Euro e "sugerido" aos restantes dos 27 que queiram estar na sua órbita. Não é menos verdade que foi apresentada em conferência de imprensa à opinião pública e aos mercados antes de ser conversada ao almoço com os colegas.
A negociação há-de suavizar medidas concretas que choquem a sensibilidade de governos ou coligações entre eles que tenham força suficiente para se fazer ouvir. Mas as intenções são conhecidas: o eixo da nova governação económica Merkel-Sarkozy tem conteúdos como a limitação dos défices, o aumento da idade da reforma, com base na demografia, o fim dos aumentos de salário indexados à inflação e finalmente uma redução dos impostos das empresas para um nível que seja o mínimo possível.
Se for só isto, é uma típica ofensiva ideológica da direita, centrada no controlo orçamental e com ressonâncias de choque fiscal. Como se pergunta no Le Monde (via Presseurope), onde estão os grandes projectos europeus, onde está a legitimidade democrática, que papel terá a Comissão Europeia, relegada para o papel de àrbitro?
No pacto para a competitividade, tal qual a ideia existe hoje, enterra-se definitivamente a estrutura de três pilares da Estratégia de Lisboa (competitividade-emprego-coesão). Na agenda Merkel-Sarkozy deixa-se de lado o papel do investimento público que faz parte da resposta americana (e da estratégia da China para consumir o seu excesso de liquidez) visando a criação de emprego. Na iniciativa franco-germânica faz-se ressurgir, com pompa e circunstância a ideia - e os receios - do directório europeu. Nem Presidente do Conselho, nem Presidente da Comissão, nem Presidente do Eurogrupo foram chamados à ribalta.
Ben Bernanke, Presidente da Reserva Federal americana, disse ontem que a retoma económica só estará verdadeiramente estabelecida com o crescimento do emprego. Mas nada na iniciativa Merkel-Sarkozy se preocupa com esses detalhes sociais.
A iniciativa franco-alemã não surge do nada. Aliás, há uma série de medidas tomadas ou em discussão em vários países, incluindo Portugal, que pareciam irracionais e deslocadas e cujos contornos são agora mais claros: fazem parte de uma estratégia de antecipação, sinalização ou mitigação de impactos negativos da exposição da obediência a um diktat exterior. Por mim, percebi finalmente a que título se tornou de repente urgente nas últimas semanas reduzir as indemnizações de despedimento. Sabendo que a Alemanha não tem salário mínimo, resta-nos saúdar o facto de o senhor Sarkozy não poder deixar passar exigências nesse domínio, senão quem sabe se estariamos a abrir a discussão sobre a abolição do nosso.
O que fazer perante isto?
Para quem está nos governos dos países do Euro, "europeizar" o pacote, dando-lhe um aspecto mais eurofriendly, suavizando os contornos e tendo o marketing próprio necessário para que certas imposições pareçam escolhas.
Para quem se coloca no espectro político, na direita liberal, lamentar as imposições exteriores com um sorriso interior de satisfação por ver que as suas receitas atiradas porta fora por derrotas caseiras regressarão pela janela de oportunidade da maioria de governos de direita na Europa e pela mão dos grandes líderes Sarkozy e Merkel.
Para quem vê o mundo da esquerda democrática, compreender porque não há apoio popular na Europa que gerou o modelo social europeu à saida da crise pela via socialdemocrata e trabalhar para um programa que o povo do século XXI queira e derrote mais à frente os que agora impõem retrocessos sociais evidentes, disfarçados de governação económica. Ou em alternativa, erguer o punho, bramir, manifestar-se e curtir a derrota histórica da esquerda europeia na viragem do século.
Mas, seja qual for a atitude com que o recebamos, é claro que este pacto anuncia, para países como Portugal, anos e anos de prolongamento da crise económica e da sua transformação, por efeito do tempo e da contenção orçamental sem qualquer compensação em política de investimento, em crise social. A menos que sigamos o convite de emigrar que a mesma senhora Merkel nos lança ou a imaginação política nos leve a produzir soluções que não estão, pelo menos para mim, à vista.
Daí a minha saudação triste ao pacto. É melhor haver uma resposta europeia que nenhuma, mas esta está longe de ser a melhor, mais produtiva e mais justa das respostas possíveis. Entre o estímulo ao crescimento da Europa toda e a salvaguarda dos interesses próprios, Merkel escolheu no timing, no modelo e no conteúdo o caminho de quem não acredita na Europa, mas sabe que pode mandar nela.
2 comentários:
A sra Merkel tem-se destacado por parecer a cobradora da dívida dos países periféricos do euro em favor dos mercados. Ela diz que a dívida é que é o problema. E também parece que são os mercados que gizam a política económica europeia que a sra Merkel segue religiosamente. É assim a política da direita, não há que nos admirarmos. Mas quem se lembra dos tempos de Helmut Kohl - não foi há tanto tempo assim- antecessor da sra Merkel no governo da Alemanha e no partido CDU, também se lembra que só agora é que os mercados adquiriram tanto protagonismo, assim como os seus porta-vozes, as agências de rating. Também foi notícia que o Sr Kohl foi quase empurrado da cadeira do poder para dar lugar à atual chanceler. Podemos descortinar a razão sem esforço.
Falhou a tão apregoada política de coesão de há tempos atrás, que devia discriminar positivamente os países da periferia. Nestes tempos de crise financeira que tão fortemente penaliza a economia e, sobretudo o emprego, arrastando o endividamento dos países mais pobres, era bom que os juros da dívida não subissem tanto como tem acontecido.
a menos que se emigre?
com a concorrência de leste
só emigram operários especializados e pessoal de informática
engenheiros só se forem civis
Farmacêuticos ou químicos só se forem a trabalhar a horas
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