O "caso Duarte Lima" segue um guião tão decalcado a papel químico de outros que nem devia constituir surpresa e consegue tornar secundária a questão que devia ser principal de saber se é ou não seriamente suspeito dos crimes que lhe atribuem. De humor particularmente fino é, no seu caso, a alegação da existência de risco de fuga para o estrangeiro de alguém que tem mandato de detenção internacional.
Próximo episódio? Durante uns dias haverá provas a conta-gotas nos media, umas que se revelarão mais tarde verdadeiras e outras de inventar, como nas histórias. Seguinte? Descobriremos que muito menos figuras públicas conheciam bem Duarte Lima do que aquelas que julgávamos. Final? Infelizmente já só vai acabar por interessar ao próprio, à família e aos amigos, sendo que esse é que devia ser o momento mediático da verdade, o que nos havia de mobilizar a todos para reflectir sobre a conduta de Duarte Lima ou da justiça, conforme o desfecho.
Um dia mais tarde, é certo, vai-se apurar que ou Duarte Lima é culpado ou talvez seja, porque se não fosse esse o caminho predefinido nada daquilo a que estamos a assistir aconteceria assim. Uma justiça que admita a presunção de inocência condenará sempre veementemente a alimentação precoce da besta mediática.
Agora é o momento de sacudir a água do capote dizendo "à justiça o que é da justiça" enquanto se convive com a prática por ela da regra "aos media o que é da justiça". O julgamento que talvez venha a haver, antes de o ser já o é na forma de guião de telenovela com desenvolvimentos diários e reviravoltas, depoimentos e contra-depoimentos. Enquanto fogem os ratos que viveram no barco de Duarte Lima o julgamento fica feito definitivamente no tribunal da opinião pública.
Nada sei sobre o caso concreto de Duarte Lima e do BPN. Mas sei que a esta novela judiciária outra se seguirá, com a mesma estrutura de guião. Nem é a primeira nem será a última. É aquela em que os guionistas acreditam e a que os media compram porque sabem que vende. É a que reflecte a sociedade que somos. Só não sei ainda quem será o próximo figurante. E algumas vezes as suspeitas hão-de ter fundamento. Até a Inquisição conseguia perseguir bruxas que o eram mesmo.
E que diferença tem o procedimento da justiça nos casos mediáticos em relação aos outros? Apenas uma. Os outros casos não dão prestígio nem vendem papel por isso podem ser tratados com recato por quem na justiça acredita na justiça ou com impunidade por quem estando nela a não honrar. E enquanto vemos com disfarçada alegria, contida tristeza ou verdadeira raiva estas telenovelas não olhamos para o monstro que cresce a nossos olhos ou até, alguns de nós pelo menos, o alimentamos.
Eu já acreditei mais na justiça do Portugal democrático.
4 comentários:
Assim vamos, Paulo. E assim havemos de continuar a (não) ir. Abraço.
01- Duarte Lima sempre apareceu como um político próximo de Cavaco Silva.
02- Duarte Lima, teve alguns diferendos com Durão Barroso.
03- Cavaco Silva sempre apareceu conectado com o BPN, onde pontificaram Dias Loureiro e Oliveira e Costa, o tal que transacionou e definiu os preços das transações das acções de Cavaco Silva.
04- Cavaco Silva distancia-se da prisão de Duarte Lima, alegando que a Justiça faz o seu percurso e que ninguém está acima da Justiça, mas não verbera as entorces processuais que passam por uma clara fuga de informações.
05- São públicas e bem conhecidas as diferenças de opinião existentes entre Pedro Passos Coelho e Aníbal Cavaco Silva.
Metafóricamente falando: "Dormem na mesma cama, mas vão tendo sonhos diferentes".
E já fervilha a "sucessão" de Cavaco Silva.
06- Se eu cultivasse o "espírito da conspiração" para explicar o fluir dos acontecimentos, deveria ou não perguntar-me qual o papel de P. Passos Coelho teria, ou não, nesta dança de pré anúncio da prisão de Duarte Lima???
Mas não gosto de "Teorias Conspirativas".
Mas conheço o provérbio:
"Não Acredito em Bruxaa, mas que as Há, Há".
O Estado de Direito continua a ser vilipendiado.
Bom Dia.
Bom Fim de Semana.
Cordiais Saudações de Muito Apreço de
Acácio Lima
Eu espanto-me que o meu caro ainda acredite na Justiça de todo... Eu francamente não acredito. O nosso País caracteriza-se por uma cultura salazarenta de desrespeito sistemático dos direitos individuais, em particular os dos arguidos, nestes por via da promiscuidade entre a nossa Justiça e os diários sensacionalistas, como sejam as sistemáticas violações do segredo de Justiça que nunca têm consequências. Poucos são aqueles que erguem a voz contra isso. Destaco o nome do Dr. Marinho Pinto, embora não lhe aprecie particularmente o estilo...
É o que temos...e não sei se algum dia será diferente..para mal da justiça..O teu texto é profundo e certeiro..abraço
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