30.10.12

Só travando Passos Coelho já se pode impedir a pauperização das funções sociais do Estado

Quando o Orçamento de Estado para 2013 entrar em vigor, Passos Coelho terá consumado a enorme redução do rendimento disponível das famílias que a primeira fase do seu plano de ir além da troika impunha. Quando esse orçamento acabar de ser executado, a meta do défice continuará por atingir, a dívida pública em rácio do PIB não terá descido e não haverá mais margem para subir impostos. 
Então, pauperizadas as famílias, restará a Passos Coelho pauperizar as funções sociais do Estado. Como nenhuma reforma estrutural terá sido feita em tempo, ser-nos-à explicado que a única reforma possível será a supressão cega de parte dessas funções, cortando em prestações e serviços a exemplo do que já terá sido feito nos salários.
A continuação da degradação das finanças públicas terá, por essa altura, colocado Portugal numa nova fase da sua dependência da troika. Se nada tiver acontecido na Europa, juntar-nos-emos à Grécia na condição de país bi-resgatado. A crise social ter-se-á aprofundado e as pressões sobre o PS para que viabilize medidas que contrariam o seu código genético será, também ela, enorme. 
Já não será tempo de rever leis do trabalho ou cortar nas prestações sociais para os mais pobres, coagindo o PS a abster-se violentamente num agenda que, fora da crise, era apenas do CDS. Será altura de ir de novo à Constituição, de introduzir o co-pagamento generalizado nos cuidados de saúde, de fazer as propinas de primeiro ciclo do ensino superior equivaler aos custos reais do ensino, ou da introdução de um sistema de segurança social chileno ou mexicano, ou ainda de liberalizar os despedimentos. Talvez também seja o tempo de privatizar hospitais e centros de saúde e umas quantas universidades ou politécnicos "redundantes". Pelo caminho, haverá umas dezenas de milhares de funcionários públicos despedidos ou "privatizados" com os serviços a que pertencem.
Em simultâneo, haverá que injectar mais capitais em bancos que não cumprirão critérios que uma supervisão mais exigente lhes colocará e ser-nos-à revelada a brutal exposição dos bancos portugueses e fundos de investimento (segurança social incluída?) à dívida pública portuguesa, o que tornará qualquer exercício de haircut da dívida numa pescadinha de rabo na boca, a menos que se queira viver com a falência de um ou dois grupos financeiros de relevo.
Quem deixar o Orçamento de Estado para 2013 entrar em vigor, depois de Passos Coelho ter aberto o jogo da "refundação" do memorando de entendimento com a troika, será agente dessa estratégia. Enquanto ela depender apenas de fazer funcionar a sua maioria absoluta no Parlamento e de o Presidente da República promulgar o que dele saia, será um assunto de família da direita portuguesa, a resolver entre Passos, Portas e Cavaco. Quando ofender os princípios constitucionais, dependerá do funcionamento do pilar da democracia que dá pelo nome de Tribunal Constitucional. Mas como, mais tarde ou mais cedo, essa estratégia implicará uma revisão constitucional, a menos que o Tribunal Constitucional e o Presidente da República se demitam de exercer o seu papel ou umas leis por maiorias qualificadas, caberá ao PS assumir as suas responsabilidades perante o país.
O mesmo PS que foi fronteira da liberdade em 1975 deve anunciar já - e as declarações do seu Secretário-Geral em Almada, este fim-de-semana sugerem-no - que não vai por esse caminho. Mas, prestados os esclarecimentos que Seguro pediu, não há qualquer margem para ambiguidades agora, se o PS não quiser ser engolido pelo turbilhão que aí vem como o PASOK o foi no grego. 
O PS tem que exigir, já, que os portugueses sejam consultados sobre se aceitam a refundação do regime democrático que o PSD lhes quer impôr, enquanto há tempo para o caminho ser escolhido. E todas as forças que se opõem a essa refundação têm que ser confrontadas com as suas responsabilidades. Sem ambiguidades, chegou a hora de deixar os portugueses decidir se querem ir além da troika, se querem reformar o país o necessário para cumprir os seus compromissos ou querem que a troika se lixe.
Eleições antecipadas custariam caro ao país? Deixar aprovar e executar o Orçamento do Estado para 2013 custaria muito mais.

27.10.12

Refundação do acordo com a troika?

Não se pode dar resposta a desafios cujo conteúdo não é definido. Mas pelo contexto do discurso de Passos Coelho em que a ideia surgiu parece que pretende escrever na relação com a troika a sua visão liberal do nosso modelo social. Se a sua ideia é, como parece, pôr em causa o serviço nacional de saúde, os equilibrios nas relações laborais, a protecção social de pobres e desempregados e a escola pública tal como a conhecemos, a resposta só pode ser radical e definitiva: fazer cair o governo antes que ele derrube o modelo que durou três décadas e meia a construir.

A metamorfose de Paulo Portas

A liderança de Passos Coelho tem tais características que fez de Paulo Portas um homem de Estado; o único na coligação capaz de dizer que o país deve ser proactivo para com a troika e que o Governo deve procurar entendimentos alargados sobre as saídas da crise.
Que pode fazer a Portugal quem é capaz de dar a Portas espaço para tal metamorfose?

25.10.12

Problemas de cultura política

O senhor Fernando Ulrich diz que não pode haver ditadura do Tribunal Constitucional. Pode. O regime político que se submete a ela chama-se democracia. Pode ser uma maçada para executivos de Bancos que querem defender o interesse dos seus accionistas (para não lhes chamar patrōes), para quem há ditaduras mais manipulável. Mas é o regime que se inventou para limitar os poderes arbitrários, incluindo do do capital.

Porfírio, sabes algo do que aconteceu ao "jornalista"?

A guerra fria já não era tão fria como fora. Mas, naquele Departamento que deixaram a Jorge Sampaio sem sequer os contactos da Internacional Socialista  e com as estantes cheias de livros do ideal zuche, tivemos a sorte de participar um pouco num tempo de mudanças a sério. Porfirio, sabes algo do que aconteceu ao "jornalista"?

23.10.12

A nóvel Ministra da Justiça fala em Coimbra sobre cidadania e justiça.

A nóvel Ministra da Justiça vai proferir a conferência inaugural de um ciclo intitulado "Cidadania e Desenvolvimento: a governação e a organização do sistema de justiça".
Primeiro estranhei que o Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, santuário do pensamento crítico e alternativo fosse promotor de discursos de tão populista personagem e tão feroz adversária da boa relação entre justiça e cidadania, embora se saúde sempre o ecletismo académico. Depois, entranhou-se-me no espírito que por lá existe há muito um Observatório Permanente da Justiça Portuguesa, financiado pelo Governo, que é conveniente que sobreviva no meio da crise que vivemos.

Rejeitemos o Orçamento de Estado para 2013, claro.

Os organizadores do Congresso Democrático das Alternativas lançaram uma petição pela rejeição do Orçamento de estado para 2013. Li, assinei e recomendo. (Obrigado, Arrastão, pelo link).
Para que não se gerem dúvidas, a minha posição de partida sobre a resposta adequada à crise é diferente da que saíu do Congresso. 
Os seus protagonistas acreditam que é preciso (e que é possível sem lançar o país no caos) denunciar o Memorando com a troika para a seguir reconstruir o caminho. Eu penso que o caminho possível e necessário abrir a renegociação do memorando sem denúncia, usando as evidências cada vez mais óbvias e assumidas dentro da própria troika de que a receita austeritária é desequilibrada e não funciona. (se quiserem, está aqui ao lado uma "sondagem"  sobre isto e o vosso voto é muito bem-vindo).
Eu estou convencido de que a plataforma que saiu do Congresso das Alternativas não conseguiu acrescentar nada ao debate político. Para a posição que defende já andava por aí, mais coisa menos coisa, quer o BE, quer o PCP, conforme se prefira o estilo e a linguagem de um ou de outro. 
Estou convencido que o Congresso das Alternativa parte de uma premissa errada sobre o destino do país, do seu papel na Europa e do papel da Europa entre nós. Não vejo a Europa como uma imposição externa, um negócio de que devemos tentar livrar-nos quando não há saldo positivo na contabilidade, mas como um jogo de que fazemos parte e em que, para nosso mal, a esquerda tem sido derrotada. Eu não estou preocupado com o domínio alemão sobre a Europa; estou preocupado por a Europa ser dominada por uma alemã de direita. Estou convencido de que o corolário lógico da posição do Congresso, não formulado por razões tácticas, mas absolutamente relevante para definir o seu destino, é a saída de Portugal do Euro. E não vou por aí.
Mas acho que a esquerda deve continuar a debater-se, porque ninguém tem o monopólio da verdade, nem sequer o do erro. E, sobretudo, esta petição nada diz com que não concorde. 

Sobre escutas, sem entrar no circo: um Primeiro-Ministro tem obrigações

O argumento proto-populista quem não deve, não teme não é uma razão de Estado.

22.10.12

Fica tudo dito sobre justiça e política neste texto de Valupi

A situação da Justiça portuguesa é calamitosa. E ninguém se salva – ou melhor, ninguém nos salva. A gravidade é tão indescritível que até ao PS, principal vítima política das disfunções e perversões dos magistrados, falta um discurso sobre o problema. Repare-se: não tinha de ter uma solução, por mais difícil, morosa ou improvável que fosse, já bastava ter algo a dizer. Bastava, para dar sentido cívico aos acontecimentos e servir de base para a reflexão urgente a fazer, que o PS introduzisse no debate público a denúncia do que se passa no Ministério Público e nos tribunais. Mas nem isso, a desgraça é quase absoluta. Continue a ler aqui.

Eu só acrescentaria que há silêncios que são condicionamentos e que simbolizam a que ponto chegou a debilitação de instituições democráticas fundamentais.  

21.10.12

Paulo Gorjão lembrou-se dos "malucos do riso" eu acho que é mais para chorar

Se o Ministério Público não tem dúvidas que a chamada para Passos Coelho não tem relevância penal porque é ela transcrita e "foge" para os jornais? Alguém a pôs a correr. Quem na justiça procura estes momentos de opereta ou é imaturo ou inapto, o que já seria mau, ou tem uma agenda em relação à democracia representativa que é mais para chorar que para rir, o que seria muito pior. Perante a recorrência destas coisas, rimos de quê, a não ser da patetice dos que na política esfregam as mãos de contentes por cada embaraço provocado a terceiros?

Adenda depois de ler no vaievem o tratamento dado pela imprensa a esta vaga de escutas no Vaievem. Revejo-me totalmente na conclusão de Estrela Serrano sobre este episódio:  À parte as questões semânticas e jornalísticas, a verdade é que o poder judicial continua a revelar a sua capacidade de marcar a agenda política e jornalística. Venham de onde vierem, representem ou não “avisos” ao poder político, correspondam ou não a cumplicidades e interesses mútuos entre agentes da justiça e jornalistas, as fugas de informação minam a justiça e o jornalismo, isto é, minam a democracia.

Adenda 2. E, poderemos, caro Paulo Gorjão aceitar que,  independentemente da sua licitude e regularidade, há determinadas conversas que hoje em dia não se pode ter ao telefone em Portugal. É uma triste realidade, mas é a que temos? Não será, já, aceitar uma diminuição substancial da qualidade da vida democrática, admitir a possibilidade de remeter por medo e auto-censura conversas que se julga não reprováveis para a esfera da semiclandestinidade?

Berrogüetto: A Forza das Mareas

Hoje vota-se na Galiza, será que se "queima o tempo dos sospiros//arrecende [cheira] a rosa nova, como termina esta canção dos Berrogüetto?

    10.- A Forza das Mareas  Quico Comesaña
    Letra: Guadi Galego
     Vaise o río, vaise o mar,
    vaise a forza das mareas,
    vaise o río, vaise o mar,
    leva a auga das túas penas. Penas tinxidas de sombras
    levan mar na súa partida,
    perden forza, perden vida,
    marchan xa na despedida. Eres a chuvia e o sol,
    eres a lúa do día,
    eres fonte na sequía
    e o sentir da miña vida. Deixa de ser lume novo,
    medra por dentro e por fóra,
    queima o tempo dos sospiros,
    arrecende a rosa nova.


20.10.12

O circo das escutas voltou à cidade. A Ministra da Justiça já comentou o fim da impunidade?



A Ministra da Justiça já tropeçou na escuta do dia? Que soundbyte populista lhe saiu desta vez?
Eu pergunto-me se em Portugal há alguém que nunca tenha falado de ou para um telefone sob escuta, quantos milhões de páginas de transcrições se produzem por ano e se há algum racio entre os recursos despendidos neste meio de investigação e em outros.
Claro que não estou a comentar esta escuta, mas as vagas sucessivas delas que aterram directamente da investigação criminal  nos jornais e nas televisões por obra e graça do espírito santo.
Facilmente essas escutas e o seu uso atentam contra direitos fundamentais? Que nos importa? Ouvir é mais fácil que andar na rua à procura de provas e é muito mais produtivo na produção de indícios por muito falíveis que sejam. Sem falar no picante voyeurismo de ficarmos a saber que as pessoas públicas usam todo o vocabulário do português contemporâneo e não apenas aquele que é consistente com os fatos e gravatas.
Ficamos a saber tanto sobre a vida dos outros nas escutas telefónicas. Mas não há problema, porque as escutas são sempre, precisamente, feitas aos outros, como julgam as boas consciências e pensava a Ministra da Justiça quando comentava just in time certas diligências processuais. E nesta história, provando que nem tudo é linear, nem se começa pelos comunistas, ao contrário do velho poema.
A interpretação das escutas exige muita heurística e domínio aprofundado da semiótica? Que interessa, se as pessoas não usam o código linguístico do português que está sentado a ouvi-la e do juiz que a valida, são criminosas até que provem o contrário. É tão simples. E, garanto, a imaginação conspirativa dos auditores de escutas pode transcender a dos policiais negros.
Autobiograficamente falando, nunca poderei esquecer as inferências feitas e as consequências que resultaram da atribuição a uma minha interlocutora telefónica  da designação "voz masculina" e da ignorância dos investigadores sobre um facto de actualidade num conflito internacional.
O circo das escutas voltou à cidade. Eu, democrata, não vou  por aí. Se algum dia, o escutado for levado a julgamento por suspeita de crime, telefonem-me.

PS. Escrevo na total e propositada ignorância do suposto conteúdo da escuta telefónica a Pedro Passos Coelho que "|caiu" no Expresso, que por sua vez a pôs na capa como costuma fazer o seu concorrente Correio da Manhã.  

Esta semana era o dia da luta contra a pobreza. O Governo fez bem em não o comemorar

"A taxa de pobreza regista uma diminuição de 4,7 pontos percentuais passando de 22,5% da população em 1993 para 17.9% em 2009, a intensidade da pobreza reduz-se em cerca de 44% e a severidade da pobreza assume em 2009 um valor que é menos do que metade do registado em 1993." (Carlos Farinha Rodrigues, Desigualdade Económica em Portugal - Principais Resultados)

Esta semana não se comemorou em Portugal o Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza, que passou a 17 de Outubro, como sempre. O Governo fez bem em envergonhar-se e não o comemorar. Poupou-nos a um exercício necessariamente artificial. Mas este fim-de-semana dá-nos um bom pretexto para dedicar algum tempo a perceber o que aconteceu à desigualdade de rendimento em Portugal, estudando o trabalho de Carlos Farinha Rodrigues e da sua equipa. Os resultados estão acessíveis na página da Fundação Francisco Manuel dos Santos que apoiou o estudo.
Ficamos a saber que até 2009 se conteve a pobreza em Portugal e que se foi particularmente eficaz a reduzir a pobreza dos idosos, mas particularmente incapaz de enfrentar a da crianças. Aprendemos também que já éramos um dos países com maior desigualdade de rendimentos familiares da Europa e que a tendência para a desigualdade salarial se manteve.
E depois de 2009? Se o Carlos Farinha Rodrigues um dia actualizar os dados, descobrirá muito provavelmente regressão em todas as dimensões, novo aumento da pobreza, sem excepções de grupo e aumento da desigualdade salarial. E nem sequer é defeito da aplicação das políticas deste governo. É a sua receita para a crise, mas é também o resultado do feitio das suas ideias.
Os Governos fazem diferença e em redistribuição do rendimento fazem muita. Por isso não é dificil antecipar que, se tudo continuar como hoje, a frase com que este texto começa se não repetirá para 2009-2019.

19.10.12

A educação de um povo/leituras #2: Como vai ser 2013? O que dizem os anuários hortofrutícolas

O LMC continua a série de leituras instrutivas da verdade a que temos direito nos media mais lidos do país. Desta vez debruça-se sobre os respeitáveis e idosos O Seringador - Reportório Crítico-jocoso e prognóstico  e o Verdadeiro Almanaque Borda d'Água - Reportório útil a toda a gente. Antes, tinha sido a vez da Ana, da Maria  e da Mariana.



HÁ VENTOS FAVORÁVEIS A SOPRAR NAS NOSSAS VELAS?
O orçamento para 2013 vai sendo vendido ao retalho para antecipar a pouco e pouco o choque hemofilático que em todo o seu esplendor explodirá esta segunda, 15 de Outubro.
Sempre atento às dinâmicas da sociedade e na vanguarda da informação, construí a previsão para 2013, para lá do orçamento e como leitura complementar, sobre os desvarios de um povo do melhor que há, suportada  nos almanaques hortofrutícolas e usando como variáveis de controlo (reminiscências da formação em sociologia) os "estudos" do Eugénio Rosa e as "análises" do Marques Mendes. Como em 2013 passarei a ser sexagenário, assumo aqui o papel do Velho da Cartola, o homem que fazia as previsões no Borda d'Água quando tinha tiragens de 300 000 exemplares, batendo largamente a revista Maria.
Os almanaques hortofrutícolas são sempre uma boa e nobre fonte de informação, porque baseados em saber acumulado e testado: O Seringador - Reportório Crítico-jocoso e prognóstico (S) já vai no 148º ano de publicação (tiragem não revelada) e o Verdadeiro Almanaque Borda d'Água - Reportório útil a toda a gente (BdA) já leva 84 anos e declara uma tiragem de 100 000 exemplares.

Eis o nosso futuro imediato em 10 andamentos:
1. Como será o primeiro dia do resto do novo ano?
2013 (ano comum) nasce a uma terça-feira, tendo domínio sobre o fogo, assegura o BdA. Já o S garante que o facto de o ano começar a uma terça o que, segundo os Antigos (com A grande), é um dia azarento como todos os demónios e prenunciativo das desgraçadas condições em que o petiz inicia a sua carreira, que deverá ser tormentosa, prenhe de misérias, desgraças, guerras, revoluções, epidemias e calamidades de toda a ordem...(uff!). Atenção, nada de desânimos, há saída, garante o S: só Deus, em sua infinita misericórdia, nos poderá livrar, mas para isso é necessário para Ele apelarmos em súplica fervorosa.
2. Qual o  planeta dominante?
Marte, o planeta da Morte, segundo o S presidirá aos destinos de 2013 o que é uma tremendíssima espiga! O BdA é mais prosaico e considera como principais características de  Marte, os metais ferro e cobre e, desta forma, 2013 será quente, seco, masculino, noturno e pouco amigo do homem. Esta dimensão de humanidade é aprofundada pelo S que, socorrendo-se do juízo fundamentado do eminente astrólogo Alfagrano, vai mais longe. Marte é inimigo do homem (excepto dos tratantes que são seus protegidos). Outra vez, em 2013?
3. Que clima vamos ter?
Mais escorreito e prosaico, o BdA garante que vamos ter uma primavera húmida a que se seguirá um verão quente. O outono vai ser seco antecipando um inverno frio e chuvoso. Uma certeza porém: a neve salpicará de branco as terras altas.
Mais gongórico, o S garante que o inverno vai ser muito frio, chuvoso como o diabo e escuro como breu. A neve não será apenas aos salpicos, garante o S: haverá neves por uma pá velha. E o outono e o inverno? Sem dúvida, sustenta o S, o estio será quente como as fornalhas de Belzebu e o outono seco que nem um arenque.
4. E no mar, como vamos navegar?
O BdA é categórico: em 2013 as tempestades e os naufrágios serão uma constante levando assim a muitos e devastadores infortúnios. No mesmo sentido, mas de forma mais devastadora, o S garante que haverá tempestades pavorosas e naufrágios tremendos.
5. E em terra,  como vai ser a lavoura?
Vai haver pancadaria tesa, garante o S. Quanto à agro-pecuária, vamos ter falta de trigo e outros grãos, garante o S. O BdA confirma que os cereais serão escassos. Já quanto ao azeite e ao vinho, os dois oragos não coincidem: haverá mediania de azeite e bastante vinho, assevera o S. Para o BdA o azeite e o vinho serão pouco abundantes. A ver vamos!
6. E vai haver eclipses?
Não há ano que se preze que não tenha a sua dose de eclipses. Em 2013 serão 2 do Sol e 3 da Lua. Total, do sol, só em 3 de Novembro. Das 10.05 às 15.29 o oceano Atlântico e suas envolventes vão mergulhar na escuridão, no reino das trevas. Mais simbólico (premonitório?) é o eclipse parcial da Lua em 25 de Abril. O que sobrará dos "ideais" de Abril?
7. E as pessoas?
O BdA é categórico sobre o que nos espera em 2013: Nas pessoas é previsível um aumento de doenças e mortes sobretudo no sexo feminino. Seremos surpreendidos  por mortes repentinas de pessoas com bastante influência e notoriedade na vida pública do país. Cuidado notáveis de Portugal! O S vai pelo mesmo caminho. O sexo feminino será mais atingido por várias enfermidades e garante também que morrerão alguns varões ilustres e grandes - vitam cum morte commutabunt! Mulheres, cuidem-se!
8. E as crianças, senhores?
Só o BdA ousa produzir juízo, mas que a mim, que vou ser avô no início de 2013, interessa particularmente pois, os que nascerem sob o domínio  de Marte serão inimigos da paz e cheios de ira vivendo sem piedade, mentindo e enganando, pelo que exige particular atenção a seus educadores pois as crianças são difíceis de educar mas também um desafio para a própria sociedade. De um fôlego, sem vírgulas como no original. Minha rica netinha...
9. Recados que calam fundo
Os nossos oráculos também têm as suas fontes e os seus conselheiros que, em verso ou em prosa, contribuem para aprofundar o pensamento prospectivo e  consolidar a dimensão analítico-empírica  em que assentam os juízos para o ano que aí vem, se, como há quem anteveja, mas carece de confirmação, o mundo não acabar antes, mais precisamente em 12.12.12.
O S recorre à edificante verve dagrande poetisa D. Maria Emilia Dinis Rocha:
Crimes nos noticiários
Engravatados vigários
Que eu fiquei desiludida.
Desliguei a televisão
Disse um enorme palavrão
E chamei p... à vida.
Sublime!
O BdA bebe do fino. Nem mais nem menos que Plotino, esse  egípcio filósofo neoplatónico, discípulo de Sacas e mestre de Porfírio:
Se um homem procura numa vida boa algo para além dela, então não é a vida boa que procura.
Profundo!
10. Haverá saída, ventos favoráveis?
Claro que sim, mas aí as nossas fontes divergem sobre a rota, o rumo, a atitude. Depois de considerar que o vaticínio para 2013 é de arrepiar o cabelo a um careca, o S, enquanto o pau vai e vem folgam as costas, aconselha que esperemos confiados que Deus Nosso Senhor nos tome sob sua omnipotente protecção, crendo sempre que acima de todos os juízos DEUS SUPER OMNIA.
No seu (perfeito) juízo, o BdA não tem dúvidas: prever o futuro implica tomadas de decisão no presente. A luta continua: Delimitar objectivos facilita a nossa vontade de lutar e as estratégias a aplicar para atingir os fins pretendidos.
Até ao fecho desta edição não conseguimos recolher as previsões do nosso analista e do nosso estudioso, mas beneficiámos das frescas declarações públicas de Jerónimo de Sousa e de José Policarpo que convictamente confirmam estas tendências para 2013.
Afinal, vai haver revolução ou não?

14.10.12

Sinais dos Açores

O PS consegue mais 7700 votos que há 4 anos. O primeiro mandato de Vasco Cordeiro terá uma maioria mais forte que o último de Carlos César. Quem tentou reduzir o candidato do PS a um delfim frágil falhou rotundamente. E não se diga que foi apenas a conjuntura nacional a definir o resultado. Também o PSD subiu cerca de 8000 votos.
Os açorianos fizeram, colectivamente, a sua escolha.
BE e CDU desceram e vale a pena olhar para o voto ecologista dividido entre o MPT e o PAN.
A nível nacional, teríamos tendências semelhantes se houvesse uma campanha agora? É bem provável.

12.10.12

Cair nas sondagens e ter condições para governar

Sem surpresa, as sondagens vão começar a penalizar violentamente o Governo PSD-CDS. Como penalizarão relativamente cada um dos dois partidos depende da habilidade política que tenham para se distanciarem um do outro sem partirem a corda por cujo nó estão atados um ao outro. Portas já demonstrou que tem muito mais habilidade para gerir o jogo distância-pertença que Passos, embora também seja verdade que para isso tenha que ter sabido engolir em silêncio algumas desconsiderações e minimizações que lhe deram espaço e foram erros tácticos de palmatória do PSD. Exemplos? Basta o afastamento de Portas do Conselho de Estado.
A descida nas sondagens é a consequência inevitável do anúncio do mais violento Orçamento em décadas.  Promete-nos menos investimento, menos consumo público e mais impostos, logo redução substancial do rendimento disponível, contracção forte do mercado interno e atraso face aos competidores. Estamos a emagrecer no presente e sem preparar o futuro. Não havia maneira de apresentar de forma simpática este programa. Mas o Governo, vá-se-lá saber porquê, fez os possíveis para maximizar os estragos. Tentou um bónus aos empresários à custa dos trabalhadores, na TSU, mas fazendo deles os antipáticos cobradores do seu próprio benefício. Num momento de todas as angústias no sector imobiliário avançou para recuar num aumento brutal do IMI, etc., etc.
O maravilhoso povo português reagiu como tem feito na história recente. Passou repentinamente da passividade resignada à explosão indignada. Que sondagens boas poderia ter um Governo que tem que andar ostensivamente rodeado de seguranças para dizer bom-dia aos eleitores e teme a todo o momento que mais um incontrolado lhe atire um impropério ou mesmo um ovo?
Novidade mesmo, foi o abandono do barco pelas hostes cavaquistas, ex-líderes do PSD, ex-Ministros de Durão Barroso e outros, de que são talvez paradigmáticos os discursos de Ferreira Leite, Marques Mendes ou Bagão Félix, mais inflamados que os dos dirigentes da oposição
Passada esta onda de indignação, algo que imagino que aconteça pelas festividades do Natal, pouco dadas a grandes manifestações e caindo alguma chuva e frio sobre os protestos, o que acontecerá?
A experiência demonstra que o Governo tem espaço para reagir. Depois de ter caído a um patamar baixo pode aplacar os espíritos, talvez remodelar, tomar iniciativas simbólicas de mudança de rumo, apresentar algumas iniciativas ainda que limitadas que demonstrem que tem coração sensível,  explorar janelas de oportunidade que segmentos da oposição lhe estendam. Acham impossível? Lembrem-se de  Joaquim Ferreira do Amaral, ministro de Cavaco, de braço dado com Maria Emília de Sousa em Almada pouco tempo após o buzinão da Ponte 25 de Abril  ou o anúncio nessa mesma época em que o Governo era também acusado de insensibilidade social da erradicação total das barracas na Àrea Metropolitana de Lisboa.
A experiência também avisa, como todos os sindicalistas experimentados sabem, que a ressaca dos grandes protestos pode ser terrível. Haverá sempre uns extremistas a querer radicalizar os conflitos até ao absurdo, seguidos por cada vez menos gente. Não terá sido a manifestação da CGTP em cima da de 15 de Setembro um sinal precoce desse risco?  E pode haver o sentimento de desalento de que tudo se perdeu, incluindo a energia para protestar. A oposição precisa de algum ganho de causa e que a indignação baixe para que não seja também ela arrastada no furacão, passageiro mas forte, da indignação popular. A gestão do protesto por quem não tem meios para o levar às últimas consequências nem interlocutor para o gerir não é a mais fácil das tarefas políticas.
Por tudo isto, Passos Coelho tem o ónus da iniciativa política nas próximas semanas e a sua capacidade para ser criativo ditará o seu destino e o do país em 2013. Tem condições para, depois da abrupta queda nas sondagens, iniciar uma lenta, esforçada e progressiva recuperação. Como se diz no futebol, depende só de si próprio para que assim seja, pelo menos até que seja visível que o Orçamento de 2013 também não será cumprido ou se torne inevitável um segundo resgate e a troika peça para ele a co-assinatura do PS. Terá Passos o engenho e arte para retomar a iniciativa e minimizar os danos?

11.10.12

Ideias para uma esquerda europeia e contributos portugueses precisam-se.


Europe & the Good Society: After the Crash

Ontem lamentei aqui mesmo a falta de ideias nos partidos social-democratas para uma resposta de esquerda europeia à crise. Hoje caiu-me na caixa de correio um novo panfleto que pretende contribuir ara a formação dessa resposta, de Thorben Albrecht (Chede do Departamento de Política e esttratégia do SPD/Alemanha) e Neal Lawson (Presidente do grupo de pressão da esquerda demcorática inglesa Compass).
Este texto (Europe and the good society: after the crash) continua um debate aberto em 2009 por um outro (Building the Good Society - The project of the democratic left), que foi debatido Europa fora e em que eu próprio pude participar numa das sessões de discussão, em Londres, com o apoio da Fundação Friedrich Ebert e do Compass, Revejo-me em linhas fundamentais deste novo texto, tais como as de que:

a) "os sociais-democratas europeus têm ainda que desenvolver uma agenda política que permita reancorar o capital às sociedades e às democracias perante as quais (pode e) deve ser responsabilizado" (p. 2)
b) para governar pela esquerda não basta ganhar eleições, é precisa uma "nova aliança de ideias, forças, organizações e segmentos da sociedade que beneficiem de uma boa sociedade" para criar uma nova maioria pós-liberal (pp. 2-3)
c) a esquerda não deve preocupar-se apenas com a distribuição de recursos mas também com a riqueza é criada justamente e, por isso, de modo sustentável (p.3)
d) a nova agenda deveria incluir:

  • ligar a recuperação económica a políticas salariais que reconheçam a relação entre procura e justiça, movendo a Europa em direcção a um salário mínimo europeu (p. 4);
  • repôr o capital financeiro na função de servidor do resto da economia e da sociedade, o que incluiria a necessária separação entre banca de retalho e banca de investimento e a criação de um imposto sobre as transacções financeiras, pelo menos em toda a Europa (p. 4)
  • impôr reformas fiscais em particular em matéria de impostos sobre as empresas e de fuga ao fisco, implicando: contabilidade país a país, para saber quem paga impostos e onde; troca automática de informação entre países europeus sobre rendimentos de um país por residentes noutro; registos efectivos das empresas emc ada país para se saber quem possui o quê e onde, de modo a ter a certeza que os impstos são cobrados adequadamente (p. 5).


Evidentemente, é só um panfleto. E é germano-britânico, faltando-lhe uma perspectiva plenamente europeia. E, ainda, ignora as questões imediatas da resposta à crise financeira e da necessidade de solidariedade entre países com assimetrias económicas sérias. Mas é um começo.
Nós, em Portugal, também necessitamos de reflectir sobre esse começo e a ideia fundadora do Compass, que evoluiu de think-tank para um grupo de pressão com ligações políticas óbvias mas um âmbito de intervenção extra-partidário também poderia fazer parte do pacote da reflexão a fazer. Porque a aliança necessária ao governo pela esquerda, já se viu que não saírá facilmente das direcções de nehuma das forças partidárias da esquerda, demasiado ocupada em demarcar as suas àreas de influência e em competir entre si para poderem alimentar sequer a reflexão sobre plataformas de mudança-

10.10.12

Já estava com saudades de me rever completamente numa frase de Jorge Sampaio

"Devo dizer que a austeridade pela austeridade, a austeridade excessiva, pode prejudicar terrivelmente a democracia. Porquê? Porque a democracia precisa de esperança", Jorge Sampaio numa conversa com internautas do Le Monde


E que se pode extrair daqui para um programa político democrata de esquerda? A recordação  de que a esperança nunca foi na sua  história da  uma filha da facilidade. Foi, pelo contrário, referencial inspirador da necessidade de superação da adversidade.  Mas, para que não sejam os que não acreditam na Europa  os beneficiados da tecnocracia liberal que comanda neste momento a resposta europeia à crise, é necessário que haja uma esquerda política pró-Europa, dotada de projecto e convergente em diferentes zonas do continente. 
É essa esquerda que me faz falta e que não vejo crescer nos partidos social-democratas que parecem querer repetir em relação a Merkel o erro que a terceira via cometeu e lhe foi fatal em relação a Tatcher e Kohl. E que também não vejo surgir, evidentemente, nos que acham que o Syriza e o estilhaçar dos equilíbrios e cedências mútuas  que permitiram a UE e o Euro é que é a alternativa.
Pensando bem, não foi por acaso que nem o PS conseguiu produzir política suficientemente forte para enfrentar a crise nem o PCP e o BE tiveram dificuldades de qualquer espécie, perante esse facto, em convergir com o CDS e o PSD, CDS na acção parlamentar cujo desfecho foi o governo que hoje temos.
É tempo de procurar novas fontes de esperança.


6.10.12

Denunciar o memorando é o caminho da esquerda? Para onde?

O Congresso das Alternativas fechou-se em torno da denúncia do Memorando de Entendimento, em vez de admitir a sua renegociação. Há quem ache o que aconteceu um avanço. Eu acho que é um misto de populismo de esquerda a tentar capitalizar o descontentamento  com incapacidade de aceitar que o melhor destino de Portugal é a Europa. E que o caminho não é por aí.

Envelhecimento: o género conta


A promoção do envelhecimento activo tem esquecido que as desigualdades de género se prolongam ao longo da vida e em particular na distribuição assimétrica da função de cuidar em muitas sociedades. Sara Falcão Casaca e Sally Bould reflectem sobre o fenómeno num artigo a ler  da plataforma Barómetro Social. Fica o destaque:

As orientações políticas e as medidas associadas ao prolongamento da vida ativa não têm integrado a dimensão de género. O aumento da esperança média de vida tem tido um impacto diferenciado nas experiências das trabalhadoras e dos trabalhadores com mais de 55 anos de idade. As mulheres enfrentam agora uma maior probabilidade de terem pessoas idosas ao seu cuidado, sobretudo naqueles contextos onde escasseiam os equipamentos públicos e/ou estruturas formais de apoio à população idosa. O envelhecimento ativo acarreta, assim, novos desafios e tensões na vida de muitas mulheres, cujo quotidiano se reparte pelo cumprimento de responsabilidades várias, seja na esfera laboral, familiar (domínio onde são as principais prestadoras de cuidados a elementos progenitores e/ou a crianças mais pequenas – netos e netas), seja ainda na comunidade mais vasta. À exceção de um conjunto de boas práticas isoladas e de algumas orientações seguidas em alguns países nórdicos (Dinamarca e Suécia), em geral as políticas promotoras do envelhecimento ativo têm negligenciado áreas relevantes de apoio – desde a criação e disponibilização de equipamentos e serviços de assistência às famílias (tanto destinados a crianças como a pessoas dependentes) até às oportunidades de aprendizagem durante toda a vida ativa.

5.10.12

O paradoxo de 5 de Outubro de 2012

Bandeira ao contrário


As comemorações do 5 de Outubro vinham definhando em democracia, apesar das tentativas várias para as dignificar. Provavelmente, essa foi uma das razões pelas quais este Governo quando ainda não temia o nosso "povo maravilhoso", achou que este era um feriado menor e poderia ser abatido. Mas, depois da intentona da TSU, o país mudou.
A comemoração deste 5 de Outubro foi mandada fazer  por quem tinha medo que as coisas corressem mal. Passos Coelho, prudentemente, encontrava-se fora, a cerimónia decorreria à porta fechada, os portões de Belém não se abririam.
Planear assim as comemorações no último feriado de 5 de Outubro, sabendo que é o primeiro depois da agitação social contra o Governo se ter tornado inorgânica e transvasado os eventuais canais de protesto, foi um erro. A "contenção de custos" não pegou, o rumor de que quem mandou fechar a porta foi o Presidente da república correu, os protestos chegaram à sala, ditos e cantados... e até a bandeira decidiu protestar. Provavelmente foi obra do acaso, mas politicamente até o acaso pode ser decisivo.
O Governo que ia matar o 5 de Outubro com o beneplácito do Presidente da República pode ter-lhe dado um inesperado sopro de vida, pelo menos enquanto andar por aí. Além do mais, pode bem ter nascido um ícone de protesto social.
Eu, pelo menos, sempre que vir uma bandeira de Portugal ao contrário, lembrar-me-ei do dia em que o PR e o Governo não queriam comemorar a implantação da República - e não será com simpatia.

4.10.12

Gaspar anunciou uma tragédia social, mas fê-lo em português técnico, não como Pedro a correr para Nini

No essencial foi-nos  anunciado pelo Ministro das Finanças que a estratégia do Governo para 2013 incide em aumento - que o próprio considera brutal - de impostos, cortes no investimento e nas prestações sociais.
O aumento de impostos implicará que o peso do IRS no rendimento das famílias terá um agravamento de 42,5% em 2013 face a 2012.
O corte no investimento agravará a tendência do país para não se preparar melhor para o futuro (e contribuirá ainda mais para o agravamento da crise). Tenha-se presente que o valor do investimento público será em 2012 igual a 41% do que foi em 2010. E terá, em 2013, nova redução.
O corte nas prestações visa seguramente os suspeitos do costume, embora ainda não se saiba em que se materializa.
Mas desta vez as medidas foram-nos apresentadas em português técnico e não em palavras de Pedro a correr para Nini. O Governo deixou caír a TSU na rua, algures entre a Praça de Espanha e o Palácio de Belém e sabe que a bravata da "desvalorização fiscal" correu mal.
Na conferência de imprensa foram apresentados os efeitos na concentração do rendimento da mexida no IRS. Sabendo-se que os mais pobres não pagam IRS, naturalmente que esta mexida sozinha não pode aumentar as desigualdades. Manipulando este facto, Gaspar fez-se paladino da redução das desigualdades. Mas e se juntarmos ao efeito do agravamento do IRS o do corte (de sinal contrário) que ficou por definir nas prestações sociais? E a redução de rendimentos que resulta de os segmentos de mais baixos salários estarem mais expostos ao desemprego e ao desemprego de longa duração, logo à perda dos benefícios com o arrastamento da crise? E a provável continuação da queda dos níveis salariais que o Governo tem elogiado? Estará Gaspar disposto a calcular e distribuir o efeito combinado destas variáveis na curva de Lorenz e no índice de Gini, admitindo-se que o efeito fiscal é aquele que anunciou?
Tudo o que podemos saber para já é que em 2013, a classe média vai pagar mais IRS, os segmentos mais carenciados vão perder prestações sociais, o desemprego vai subir e o país vai investir menos no seu futuro.
Nesta segunda partida para o OE 2013, o discurso de Gaspar está cheio de justificações para aplacar o Tribunal Constitucional. A sobranceria deu lugar à modéstia. Mas, se o corte de dois subsídios e duas pensões violava o princípio da igualdade, o corte de um subsídio e 0,9 pensões já não viola? Fiquemos à espera da jurisprudência.
Gaspar aderiu por completo ao (neo)corporativismo. Sabemos que nada perguntou na preparação das medidas à oposição, mas declara que foram recolhidos contributos dos parceiros sociais. Talvez por pressão de Belém, o Governo vai tentar jogar a concertação social contra a democracia representativa, a CIP contra o CDS e a UGT contra o PS, provavelmente. Conseguirá? Provavelmente só Cavaco Silva e João Proença sabem a resposta.
Face aos partidos, a sobranceria é total. Se os parceiros sociais mereceram o cumprimento de que "a continuação do diálogo contrutivo  en sede de concertação social é um elemento chave para o sucesso do ajustamento em Portugal", sobre a convergência parlamentar paira o manto do silêncio. O Governo reincide em afastar, nomeadamente o PS, da convergência  para o cumprimento do programa de ajustamento. E o PS, parece-me claro, deve deixá-lo seguir sozinho, façam a CIP e a UGT o que fizerem em relação a cada uma das medidas do OE 2013.
Os pormenores podem obscurecer a leitura do dado mais claro de todos. Tínhamos austeridade excessiva sem compensações de nenhum tipo. Agora prometem-nos austeridade ainda reforçada face à que já tinhamos. Vamos tê-la num clima internacional que se prevê que esteja degradado, teremos consumido 80% do actual programa de apoio, mas um milagre que ocorrerá, pelas contas do governo, lá para Abril de 2013, alterará os nossos indicadores no fim do ano, como se vê no quadro macroeconómico para 2013..
Como os milagres são raros, o mais provável é que a coligação PSD-CDS que Governa com um Programa que já não tem legitimidade eleitoral porque já nada tem em comum com a plataforma que apresentou aos portugueses, nos apareça durante o ano de 2013, lá pelo Santo António, com a explicação científica da necessidade de um segundo resgate financeiro. A menos que - e também pode acontecer - o mundo volte a mudar antes disso e o espartilho externo que Passos Coelho adopta por adesão ideológica, o deixe isolado.
O Governo anunciou que vai apresentar na Assembleia da República um Orçamento impossível de cumprir e que se fosse cumprido teria efeitos económicos e sociais muito mais devastadores do que os que anuncia e que fariam de 2012 um ano fácil. Cada um esbugalha ou fecha os olhos perante esse facto a gosto.
Era melhor dizer aos portugueses que já calculamos que o Memorando de Entendimento tem que ser substancialmente revisto para que Portugal saia da crise sem morrer da cura. Mas os crentes nos segredinhos de Estado acham que isso seria uma enorme fraqueza.



3.10.12

A velha escola está de volta. Para já à experiência e com o nome de ensino vocacional que é apenas ocupacional.

O ensino de carácter profissional no ensino básico já está regulamentado (pela Portaria nº 292-A/2012 de 26 de Setembro). Depois da onda de protestos que o anúncio inicial provocou (e a que este blogue se juntou), substituiu-se a versão hard de um ensino profissional compulsivo para repetentes por uma versão soft de experiência-piloto de ensino voluntário para repetentes. Mas mantêm-se os equívocos e erros fundamentais da filosofia da medida.
Os cursos de carácter profissional no ensino básico são dirigidos exclusivamente a quem já teve retenções (têm como condição de ingresso ter 13 anos e pelo menos duas retenções).  Para contornar a responsabilidade política pelo estigma, a bola é passada para os psicólogos. A eles caberá desenvolver "um processo de avaliação vocacional (...) que mostre ser esta via adequada às necessidades de formação de alunos". Vejamos como reagem os técnicos ao mandato que lhes é, assim, conferido, de certificarem a não aptidão para as letras, como se dizia no tempo que inspiram esta contra-reforma educativa. Portanto, não se trata de oferecer uma formação vocacional a jovens, mas de carimbar uma inaptidão escolar compensada com uma via de educação light, que pode estender-se por toda a vida estudantil do básico e secundário.
A via criada e designada "cursos vocacionais" é oficialmente a nossa via pobre de ensino. Um ensino mais pobre e que todos antecipam que se destina aos mais pobres, aos filhos dos outros. Quem frequentar um curso destes no segundo ciclo pode progredir para o 3º ciclo "normal" se tiver aproveitamento nas originais provas finais nacionais do 6º ano, elas próprias um instrumento de selecção precoce que o neoelitismo criou, mas podem prosseguir na via "dos repetentes" se tiverem aproveitamento nas disciplinas "manuais" (componente vocacional) e em 70% dos módulos das vias "da cabeça". Para que a associação da nova (e tão velhinha) via ao ensino dos "fracos da cabeça" seja total,  pré-anuncia-se uma terceira via de ensino secundário que chegará, presume-se, daqui a três anos para acolher os que receberam o seuc ertificado de incapacidade escolar. Pois, de novo no fim do 9º ano, quem concluir com sucesso, pode ir para o "ensino regular" (recuperando uma linguagem que separa a o ensino profissional dos cursos cientifico-humanísitcos) ou para o ensino profissional. Os "burros certificados" vão para o novo "ensino vocacional de nível secundário".
O programa reaccionário contido nesta medida resolve pelo regresso ao passado equívocos que sempre existiram, em abono da verdade se diga, nos cursos de educação e formação. Mas esses, pelo menos em teoria, eram de carácter temporário. Agora está oficialmente a criar-se uma terceira via pobre, nem "académica" nem "profissionalizante", que se chama vocacional mas claramente se pretende ocupacional, para a qual se empurram os alunos com dificuldades, desistindo de os educar a par com os colegas.
Esta medida consagra inequivocamente que, como já uma vez aqui se disse, a versão Nuno Crato do eduquês é a de que pobre, a bem dizer, nem precisa muito de escola.
A estratégia da experiência é clara. Pretende-se entrar de mansinho para criar o clima propício à contra-reforma educativa. Claro que, em contexto de restrição orçamental nacional, há cerejas no bolo. Vai haver contratos-programa ( o que significa dinheiro) que podem bem atrair as escolas privadas e as escolas profissionais privadas atingidas pela crise.
Estamos perante a tentativa de institucionalização de uma via educativamente pobre, que certifica a incapacidade, se estende por todo o 2º ciclo, 3º ciclo e ensino secundário, criando um apartheid educativo por níveis de mérito escolar, em vez de tentar educar todos. Esta medida vai institucionalizar essa via ao contrário daquilo que os cursos de educação e formação deveriam ter sido sempre e apenas - soluções pedagógicas localizadas, minoritárias e temporárias.
Dois grupos são particularmente interpelados na sua responsabilidade profissional (os psicólogos escolares) e de projecto educativo (as direcções das escolas). São conhecidos os condicionamentos em que agirão e o poder que o Ministério pode ter sobre eles.
Resta aos que têm uma visão progressista da educação repetir o apelo que já aqui fiz, para que à esquerda se anuncie já que este regresso da velha escola cai com o Governo. E na Assembleia da República pode desde já dar-se sinais nesse sentido. Por exemplo, apresentando um projecto de resolução que recomende ao Governo a cessação imediata desta experiência de contra-reforma educativa no âmbito do processo reaccionário em curso na gestão da educação pelo Ministro Nuno Crato.