Emprestar dinheiro aos Estados costumava ser uma tarefa de alto risco. Conferia influência, podia ser um seguro de vida para uma minoria perseguida, mas também ligava o prestamista aos destinos do soberano.
Agora, como evidência do gosto pelo risco dos empresários modernos, emprestar dinheiro aos Estados pode ser, como está agora a ser com Portugal, uma actividade em que um banco pede ao Estado (o BCE) para emprestar ao Estado (Portugal), paga o que pede a 0,5% e consegue cobrar 5,6% de juros.
E consegue esta margem emprestando dinheiro europeu a um país europeu, a um país que não está nem estará em guerra, está inserido numa zona monetária poderosa, sob governação condicionada à garantia do cumprimento dos compromissos externos e sob grande pressão internacional para honrar as suas dívidas até ao último cêntimo. O gosto das empresas modernas pelo risco é enternecedor.
Responder-me-ão que há em Portugal risco de default e é esse que é medido pela taxa de juro que pagamos. É verdade. Mas esse risco não é independente da política do "nosso" Banco Central ser indiferente à saúde da nossa economia e da nossa capacidade de gerar emprego. A administração do condomínio monetário em que temos uma pequena fracção não quer saber das brechas na parte comum do edifício que nos pertence. E essa indiferença pode custar-nos, por exemplo, 1500 milhões de euros em 10 anos, só num empréstimo de 3000 milhões.
Em cada empréstimo com um diferencial de 5% entre os custos que nos cobram e os custos que o "nosso" banco central cobra a quem nos empresta, os erros de gestão do nosso condomínio monetário estão a ser pagos por nós. Quando a crise acabar e se alguém se der ao trabalho de comparar o diferencial de taxas entre o que o BCE praticou a quem nos emprestou e o que quem nos emprestou praticou em relação a nós, poderemos fazer o balanço de quanto a administração da União Europeia tirou dos bolsos das famílias portuguesas para entregar aos agiotas apátridas que presidem a bancos de não importa que nacionalidade.
Mas isto só muda mudando a União Europeia e criando um mecanismo que faça quem a governa ser responsável perante todos os Europeus e não apenas por uma fracção deles, fracção essa que pode até pensar que a sua fracção do condomínio - já de si a mais espaçosa e confortável - não meterá água, nem sequer quando o prédio ameaçar ruína.
Já ouço à minha direita o aviso de que o BCE não tem mandato para o que pressuponho. Pois não. Uma das características da política é adaptar os mandatos das instituições sob responsabilidade pública à resposta às necessidades relevantes da sociedade. E se a Europa não está numa situação em que as instituições não estão a responder às necessidades sociais, então está em que situação?
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