19.3.09
Traumas da guerra (João Vasconcelos Costa)
Como certamente muita gente de/dos 60s, acabei de ver o Guerra. Confronto-me com coisa esquisita. Durante muitos anos, calei muita coisa, por um pudor de quem foi apenas pequena peça de tão complexa coisa que foi a luta antifascista, a luta anticolonial, pudor de quem não quer aparecer em bicos de pés quando o tempo já não permite ser contraditado se disser inverdades.
Por outro lado, diz-me alguém muito próximo que mesmo a sua pequena diferença de idade em relação a mim já causa alguma falta de vivência dessa realidade, que a sua geração quer partilhar, até para poderem dar aos seus filhos a ideia do que é a felicidade que têm em ter nascido e terem-se feito cultural e informativamente em tempos que lhes tornam hoje estranhas e muito distantes coisas como esta série de
reportagens.
Por isto, vai hoje apenas a recordação de um “pequeno” episódio, a propósito de uma declaração taxativa e corajosa do cor. Fabião. Não participei nele, não tenho culpas directas na consciência, creio que foi um acontecimento que devo assumir como tendo sido vivido por mim como consequência inevitável de uma decisão política: de ir fazer a guerra, com grande trabalho político junto dos meus companheiros militares, do comandante até marinheiros (com todo o respeito pelos
que optaram pela deserção, em vez do que eu decidi).
Em Julho ou Agosto de 1971, em Vila Nova da Armada, quartel de uma companhia de fuzileiros, no Cuando Cubango, tratei de feridas extensas de um prisioneiro. Foram horas de suturas e pensos. Saíu do posto médico já ao fim da tarde, para a prisão, um casinhoto sem janelas, a um canto da cerca de arame farpado. Entretanto, chegou um pide para o interrogar, juntamente com dois ou três fuzileiros, já não me lembro bem. Durante horas, não dormi, com os gritos. Depois, muito menos
dormi, quando se fez um silêncio terrível.
João Vasconcelos Costa
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