15.9.09

Mais uma "folha seca"

Para Jerónimo de Sousa, a saída de Domingos Lopes é apenas um número, a contrapôr aos que entraram no PCP. Compreendo-o. A desvalorização da sua saída é uma forma de disfarçar o incómodo pela perda de um quadro importante, embora discreto, bem como de recordar que, no essencial, o afastamento já ocorrera progressivamente.
Recorde-se que este militante do PCP, sofreu um violento ataque quando a actual direcção do Partido tomou de assalto o Comité Português para a Paz e a Cooperação, de que era Presidente. Esse processo, aliás, iniciou uma vaga intensa de lutas entre a actual direcção do PCP e os militantes comunistas que, com alguns dos seus compagnons de route, recusaram ser meras correias de transmissão acríticas do partido nos movimentos sociais que protagonizam ou influenciam. Nesses conflitos, a direcção do PCP tenta desalojar os seus militantes e os seus aliados de sempre. O Sindicato dos Professores da Grande Lisboa é apenas um outro caso eloquente desse tipo de conflitos, embora com o desfecho oposto.
Conheci Domingos Lopes, salvo erro em 1986, numa viagem à Argélia, para assistir ao Conselho Nacional Palestiniano que marcou a reconciliação entre facções que tinham travado conflitos violentos. Nessa altura eu era um jovem militante do PS e ele um experiente funcionário do PCP. Recordo-me muito bem, em particular, de uma conversa que então tivemos sobre o Iraque e os curdos que me vem recorrentemente à cabeça, dado o excelente nível de informação que ele tinha e a capacidade de previsão do risco de desagregação do país, num momento em que Saddam ainda não era o grande inimigo da comunidade internacional e estava longe sequer a primeira guerra do Golfo, quanto mais a invasão de Bush.
Fui-o seguindo à distância e há vários anos que me parecia claro que ele faz parte de um conjunto de comunistas portugueses que ficaram sem partido, porque o seu seguiu o caminho neoestalinista enquanto eles acreditam na via da desestalinização do movimento comunista. Julgo que esses comunistas estão enganados e o PCP tem razão, porque o comunismo não é reformável como eles desejam. Mas essa divergência não me afasta deles, antes pelo contrário me aproxima, porque sempre que um comunista descobre a superioridade da democracia política a esquerda fica mais forte e o equívoco soviético mais fraco.
No ano para mim trágico de 2003, Domingos Lopes esteve do lado dos que nunca se deixaram intoxicar e dos que me fizeram chegar um abraço solidário, dos que tiveram o gesto humano a que nada a não ser a sua boa formação cívica e a certeza da minha inocência os obrigava. Não posso deixar de recordar a distância entre a sua correcção cívica e a postura canalha, até hoje, de editorialistas do Avante como um tal Leandro Martins.
Ao caír mais esta "folha seca", mais um dos meninos de ouro da geração que Álvaro Cunhal preparou e da qual não resta praticamente ninguém activo no PCP, uns remetidos à passividade fiel, outros auto-excluídos ou expulso e outros, infelizmente, falecidos, não tenho pena pelo PCP. Apenas desejo que o desencanto com o seu partido de sempre não os remeta a um caminho solitário. A renovação da esquerda precisa mais de Domingos Lopes, agora que é um cidadão livre do que quando estava preso ao equívoco comunista. Se ele quiser, claro.
PS. A foto, propositadamente, é de um artigo do Militante, publicação do PCP, publicado por Domingos Lopes em 2002.
Adenda. Entretanto, li a carta de demissão no Expresso online. Leia também.

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