19.3.10

O PEC faz reduzir a despesa pública com os mais pobres vai mais intensamente do que o consumo público em geral.

Nas actuais circunstâncias, fosse qual fosse a opção tomada, o PEC teria que conter um esforço de redução da despesa pública. A questão essencial é a de saber em que capítulo se decide proceder aos cortes necessários. Como se pode ver pelo gráfico abaixo, o Governo optou por fazê-lo incidir mais fortemente no conjunto das despesas com prestações sociais não contributivas (as transferências dirigidas aos segmentos em risco de pobreza e exclusão) do que no conjunto geral das suas despesas correntes.
Confesso a minha incapacidade de aceitar que um governo de centro-esquerda tome esta opção num período em que, como agora ocorre, vai ser necessário compatibilizar consolidação orçamental e combate ao risco de crise social.
É certo que é mais fácil cortar nestas transferências sociais, cujos destinatários não estão organizados e em relação aos quais há até estigmas sociais fortes, do que em rúbricas que choquem com interesses organizados. Mas o resultado será o de que neste ciclo, ao contrário de todas as expectativas e do próprio Programa de Governo, a capacidade redistributiva do nosso sistema de protecção social será menor e não maior, como era desejável. Mais, se a teoria do tecto orçamental vingar nos próximos Orçamentos de Estado, todos os técnicos da segurança social serão desencorajados de fazer valer os direitos dos cidadãos em carência. Afinal, quem vai querer ser aquele que diz a um pobre ou a uma família carenciada que teve um filho em Setembro para voltar para o ano, que este ano acabou a verba cabimentada?
É difícil reconhecer nos autores da fórmula de "definição de um tecto de despesa para prestações sociais" (pág. 19 do PEC)quaisquer ecos do princípio da "orientação do sistema de solidariedade para os grupos mais
vulneráveis aos riscos sociais, de modo a que os apoios cheguem aos que deles mais
precisam e sirvam para a sua capacitação e integração social" (pág. 62 do Programa de Governo).



5 comentários:

Alexandre Rosa disse...

As reflexões que desenvolves são, seguramente, pertinentes. Seria bom que pudessemos, no seio do PS, discutir estas questões com alguma profundidade. Que tal um debate sobre o tema? um debate interno entre socialistas.

The Cook disse...

Meu caro Paulo, será possível que nesta variação da despesa social esteja incluído um efeito de conjuntura? ( ou seja, que com recuperação económica a despesa desça independentemente de quaisquer medidas)

Fernando Rocha Andrade

Paulo Pedroso disse...

Fernando, claro que esse efeito existe se houver recuperação económica. Todos gostariamos que fosse determinante (e o problema esvaziava-se), mas face às projecções do PIB não pode ser assim, a menos que haja um milagre o que, como sabes, só acontece muito raramente e mesmo assim frequentemente mais nas nossas mentes que na realidade.

Unknown disse...

Existe um pressuposto que creio estar errado. O PS, actualmente,no espectro político, centra-se mais à direita que à esquerda.De outra forma, não seria compreensível como se carrea uma grande parte dos sacrifícios para os estratos médios e também baixos, que são, na actividade económica, os dinamizadores por excelência do processo produtivo. É injusto e desmobilizador. Na verdade assim acontece porque a organização de massas nesta classe não existe e o governo, explora gratuitamente esta situação.
Na conjuntura difícil que atravessamos e que nos próximos anos assim continuará, penso que o melhor exemplo para a grei seria dado pela classe política, ao empenhar-se com maior seriedade e dedicação aos veros problemas do País ( o que me parece não estar a contecer), e também ao governo ao disciplinar as empresas públicas, com déficits enormes e onde os seus gestores se aproveitam do laisser faire, laisser passer dos governantes, arrecadando somas enormes de vencimentos e prémios, ignorando estes que estão num País onde a partinha de sacrifícios deve acontecer...naturalmente.
José Gabriel

Anónimo disse...

Senhor Paulo Pedroso
Não percebo a sua surpresa já que este PEC é apenas o culminar da orientação do governo Sócrates desde o seu início, orientação essa que nada tem a ver com qualquer ideia de esquerda, ainda que moderada.
Só um exemplo: ao defender a privatização dos correios, José Sócrates e o PS colocam-se à direita de George W. Bush, de George H. W. Bush e de todos os outros presidentes republicanos pois nenhum destes presidentes conseguiu ou sequer tentou seriamente privatizar o serviço de correio dos EUA (United States Postal Service).