O texto de ontem de Peter Boone e Simon Johnson sobre Portugal, que hoje é incensado pela imprensa, é para levar a sério, embora não o mereça.
Concordo plenamente com o comentário de Teixeira dos Santos à linha geral do dito artigo. Diz ele (e eu concordo) que num Mundo de expressão livre também se podem escrever disparates sem fundamentação sólida, reveladores de ignorância quanto às diferenças existentes entre os países da zona Euro, e que bem ilustram o preconceito céptico de alguns comentadores quanto à moeda única. O ministro poderia ter ido mais longe. O artigo foi escrito com tal ignorância da política orçamental portuguesa que, na sua versão original dizia que iamos ter um défice em 2010 de 9,3% e, quatro horas volvidas, corrigiu o número para os reais 8,3%, identificou a correcção em nota, mas manteve o comentário de que é "roughly equal" ao de 2009.
Mais, os autores ignoram, aparentemente, o PEC. Pois são capazes de dizer que "os portugueses não estão sequer a discutir cortes sérios", como se a estratégia orçamental definida até 2013 não fosse, para o bem e para o mal a de reduzir o défice a 1/3 do de 2009.
É certo que o artigo também escreve preto no branco qual é a raíz do problema português: "The main problem that Portugal faces, like Greece, Ireland and Spain, is that it is stuck with a highly overvalued exchange rate when it is in need of far-reaching fiscal adjustment." Em minha opinião, a existência desta frase sem dela se tirar nenhuma consequência, expressa bem a perversidade da leitura dos autores. Basicamente dizem em inglês técnico que o nosso problema, comum com a Irlanda e a Espanha, é a valorização excessiva do Euro para concluirem em inglês para o povo que, tal como os Gregos, somos uns malandros sem coragem de tomar as medidas orçamentais adequadas.
A Lusa e, com ela, os jornais demonstraram bem que nem em Portugal há quem queira ou seja capaz de separar os problemas. Transformaram o inglês para o povo em parangona e omitiram o inglês técnico. Não creio que o tenham feito por mal. Foram fiéis ao espírito dos autores. E por isso o artigo me preocupa, porque diz ao mundo o que colhe bem na narrativa sobre a preguiça e o atraso português (e grego), porque faz parte da criação de um clima propício a que as agências de rating possam mexer na nossa classificação com mãos ainda mais livres, porque reforça o partido das velhas receitas para o ajustamento orçamental que já destruiram sociedades inteiras em muitas partes do mundo e porque o faz sem enfrentar a barragem crítica, por várias razões.
Teixeira dos Santos não devia ficar a falar sózinho e aqueles que pensam em linha diferente do artigo deveriam conseguir lançar novas questões no debate. Por exemplo:
1. Se o problema é o desconrtrolo orçamental porque atinge também a Irlanda e a Espanha que atravessaram a última década sem défice ou com superavit em muitos anos?
2. Se o Euro está sobrevalorizado para a economia portuguesa isso dever-se-à ou não também a que a conversão do escudo em euro foi, à época sobreavaliada? Se sim, quem foi responsável por isso?
3. Se o Euro é uma moeda para servir uma vasta zona económica em que podem ocorrer choques assimétricos, porque não tem o BCE os mesmos intrumentos que tem o - insuspeito de esquerdismo - sistema federal americano que suporta o dólar, para os Estados em dificuldades?
4. Se Portugal não pode ajustar o valor do euro à situação da sua economia, quando ele se adapta bem, por exemplo, à alemã porque hão-de os portugueses ter que pagar sózinhos esse custo extra?
5. Se o Fed deve poder promover o crescimento económico tanto quanto garantir a estabilidade financeira, porque é que o BCE deve continuar proíbido da primeira função?
5. Ou seja, fazendo uma pergunta directamente sobre os EUA: se é aceitavel que o Fed ajude o Minnesota porque é escandaloso que o BCE apoie a Grécia?
De facto, se em Portugal e na Europa, os maiores adversários do Euro são os que se chamam a si próprios anticapitalistas, do lado de lá do atlântico, os adversários do Euro são muito mais os defensores do supercapitalismo, incomodados com um novo player global e a concorrência que ele pode fazer ao dólar.
Eu li o artigo em questão como um violento ataque, não a Portugal, que pouco deve importar ao autor do artigo, dado que pouco se preocupou sequer em ter dados fiáveis sobre o país, mas ao Euro. Mas nós, portugueses, já demonstrámos que somos capazes de virar este tipo de facas contra o nosso próprio peito. Por isso é que este artigo me preocupa.
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