15.11.12

Acumulam-se os sinais de que as instituições portuguesas reagem à crise com a sabedoria dos gregos contemporâneos

Quem convocou uma manifestação para a porta da Assembleia da República em dia de Greve Geral e não para uma praça de Lisboa, fez uma escolha da qual não tinha o direito de ignorar os riscos, atendendo às tendências que se vinham desenhando nos protestos naquele local.
Quem desactivou os seus mecanismos reconhecidamente eficazes de segurança a tempo de deixar os incontrolados à solta ainda a noite não era sequer uma criança, voltou as costas às consequências do seu gesto ou, se formos generosos na avaliação, reconheceu a sua impotência para o gerir.
Mas os desacatos no fim da manifestação de ontem são sintomáticos do novo tempo que vivemos. As forças que podiam e deviam enquadrar o descontentamento popular estão a perder essa batalha deixando no terreno apenas a "mão direita" do Estado como lhe chamava Bourdieu, que se ocupará em cargas policiais, detenções e similares.
Importa pensar como pode perder-se a batalha do enquadramento institucional do protesto e da sua canalização para uma energia construtiva de alternativas. Nesta fase, todas as forças que o podiam fazer demonstram inconsciência do problema ou incapacidade de reagir adequadamente.
Há as que - como o PS - sofrem do seu complexo histórico de responsabilidade e moderação. Atenção, não critico a actual direcção por isso. É um padrão que está inscrito nos hábitos enraizados do PS desde o fim do PREC. Ontem, lá deveria ter estado o PS, como esteve o PSOE em Espanha, activamente na greve. Mas, para isso era necessário que a UGT não tivesse ingenuamente deixado a CGTP tomar o comando dos acontecimentos e ser representante única em Portugal do protesto europeu. O que implicava que a UGT não mantivesse ainda um pé na salvação deste governo e não esperasse ainda um mírifico ganho de causa do diálogo com os refundacionistas.
Há as que - como o BE - não perceberam que há uma diferença entre os jovens - rascas ou à rasca - de há uma década e a novíssima geração de protesto que mistura uma explosiva combinação de hooliganismo de claque, retórica anarquizante pouco esclarecida e fascínio pela - para já pequena - violência. Sem líderes como os "ocupas" americanos, o BE pensou que podria enquadrar esta nova vaga, mas nunca os conseguirá levar para um acampamento de marxismo na Foz do Arelho.
Há as que - como o PCP e a CGTP - detestam os incontrolados desde sempre e de bom grado as entregam às mãos da polícia, um método historicamente eficaz, ainda ontem elogiado pelo Ministro da Administração Interna, mas que na era do instantismo mediático transforma vitórias de mobilização em derrotas de televisão.

Mas o que se passou ontem não é nada comparado com o que pode estar para vir. Estou cada vez mais convencido que Portugal se prepara para reagir à crise à grega, espartilhado entre a tarefa de Sísifo de ser bom aluno de uma receita errada e o radicalismo dos que querem aproveitar a ocasião para enfraquecer mesmo o sistema. Dêem aos portugueses 2 ou 3 anos de reacção à grega, deixando o governo ferir e gangrenar os consensos sociais que se geraram com o nosso sistema constitucional e esperem um resultado à grega. Repito, nesta fase, quando a luta aquece, ninguém sabe o que acontece e há uma ausência quase generalizada de consciência de que uma crise prolongada passará de económica a social (já passou) e de social a institucional, com desfechos ditados por circunstâncias diversas.
A hora é a da responsabilidade histórica dos líderes se não queremos que o país acabe à pedrada ou entregue à polarização entre a subida eleitoral dos neonazis e dos populistas de esquerda afundando-nos num empobrecimento tão duradouro como já se percebeu que será o grego.

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