22.5.13

O Conselho e o estado do país


Os membros do Conselho de Estado estão obrigados a dever de sigilo, mas não é isso que impede que um deles tenha feito num programa televisivo a divulgação em exclusivo da sua convocação ou que o Público tenha conseguido fazer a acta da reunião.
A dita acta é, contudo, reveladora do rumo do actual Presidente da República, que terá tentado utilizar o órgão para numa reunião selar nada mais nada menos que um compromisso estratégico de médio prazo sobre política económica.
A ideia de um compromisso estratégico é sempre tentadora, mas quando abrange áreas centrais da acção governativa tem que ser bem gerida e melhor ponderada. Se é possível, em tese, pensar num compromisso desse tipo, é necessário julgar quando, como e onde fazê-lo. E Cavaco Silva errou nos três requisitos.
Não é este o momento para expressar convergências de política económica futuras sobre o que fazer a um país que ainda não se sabe quanto vai estar destruído - ou reconstruído, conforme as opiniões - por anos de austeridade intensa num processo gerido unilateralmente pelo Governo, sem qualquer negociação interna da terapia adoptada e tendo alienado todo e qualquer eventual apoio para a sua orientação. Não pode razoavelmente esperar-se que os protagonistas de um conflito como o que percorre a política nacional nesta altura renunciem por magia às suas divergências.
Não é este o método para gerar tal consenso. Aparentemente houve alguém que julgou que sem intensas reuniões bilaterais e multilaterais, sem concessões mútuas, sem aproximação de posições, se pode em uma volta à mesa e em poucas horas abrir e fechar um processo que culmine num consenso sobre o rumo estratégico do país. Se esse alguém não foi o próprio Presidente devia ter sido imediatamente convidado a mudar de funções por tão desastrado conselho.
Não é este o lugar para tal compromisso. Se esta não é matéria para ser discutida essencialmente entre partidos e buscando convergências parlamentares, não vejo que outra o seja. Muito provavelmente tal acordo estratégico significaria a renúncia a diferenças significativas entre os seus subscritores, o que pode bem levar a acordos de governo ou provavelmente a pactos que condicionem as orientações parlamentares.

Cavaco Silva pode bem pensar que o Primeiro-Ministro e o líder da oposição são ainda e só os jotinhas que patrocinava no Conselho Nacional de Juventude  quando era Primeiro-Ministro. Ou pode já ter suspendido no seu espírito o funcionamento da democracia e imaginar que o Conselho de Estado se apropriou da condução da acção política. Pode acreditar nos seus próprios discursos e pensar que Portugal apenas terá um governo e uma linha política, seja quem for que ganhe as eleições. Mas nos três casos estará a viver uma ilusão. Seja como for, o seu papel na gestão da actual crise está nesta fase entre o negligenciável e o prejudicial para a adequada relação entre agentes políticas e instituições democráticas.
Se a acta do Público é fiel, o Conselho de Estado demonstrou, algo pateticamente, que Portugal tem um Presidente da República incapaz de perceber as tensões actuais no sistema político e que atingiu o limite da incapacidade para gerar equilíbrios e moderar divergências. Não é o maior dos nossos problemas, mas é um que se dispensava.
Se a acta do Público não é minimamente fiel, como as suas fontes são inevitavelmente os Conselheiros, então fica demonstrado mais uma vez que somos um país de opereta, que envolve ao mais alto nível quem nem respeite as instituições nem se respeite a si próprio.
E, claro, está em qualquer dos casos demonstrado que os altos magistrados políticos do país, tal como os de outras instituições se aceitam reduzir a quadrilheiras de serviço da voracidade informativa dos media. Imaginem por um segundo como seria o mundo se Obama não pudesse reunir com os equivalente do nosso conselho de Estado sem temer um relato, verdadeiro ou romanceado, nos jornais dos dias seguintes.

2 comentários:

antonio ribeiro disse...

Excelente reflexão. Nenhuma solução haverá com este governo e este presidente. Teremos então que aguardar por 2015, infelizmente, quando já nada restar do edifício institucional criado após o 25 de Abril 74.

Cláudio Teixeira disse...

Passo por cima da referência às fugas de informação que chegaram ao jornal.E sublinho o que Paulo Pedroso diz sobre a "suspensão da democracia" no espírito do PR.Mas tal suspensão da democracia não é assim tão tácita, basta ver como para Cavaco ao programa troikiano não há alternativa, haja ou não eleições...Temos um PR de baixa intensidadedemocrática,parafraseando uma expressão de Boaventura Sousa Santos