20.4.10

O que Stiglitz quis dizer: a leitura também define o leitor.

Ainda não tinha lido a entrevista de Joseph Stiglitz ao El País e tinha-a recebido filtrada pelo que é notícia em Portugal. Ele teria afirmado que se põe a hipótese de Portugal falir. Como não o acho dado a estes catastrofismos nem a andar de braço dado com os movimentos especuladores, pareceu-me uma afirmação estranha. Tê-lo-ia dito no mesmo sentido em que eu tenho que pôr a hipótese de vir a ter um cancro fatal, embora não tenha indícios disso? Tê-lo-ia questionado a partir de alguma opção do Governo português que achasse reprovável?
Fui ler a entrevista que tem como título "O Euro pode desaparecer"e deparei-me com os parágrafos que transcrevo:

España, claro, está en esa tesitura. Y el Gobierno ha decidido subir el IVA en julio. "No hay solución fácil para España. Si no sube impuestos se expone a los ataques, pero es aún peor subirlos cuando la recuperación aún no ha llegado, porque puede provocar que el crecimiento se ralentice durante años, y eso no previene precisamente contra un futuro ataque especulativo", avisa. Si Grecia es Bear Stearns -el banco de inversión que fue rescatado-, la duda es quién puede ser Lehman Brothers, que quebró meses más tarde. ¿Tal vez España? "Quizá Portugal", dice Stiglitz. Y quizá la pieza sea aún mayor, "sobre todo si no aprendemos las lecciones de esta crisis y de las anteriores".

Stiglitz suele recurrir a la crisis asiática de los noventa como inspiración. Tailandia fue el primer gran país en caer. Los mercados apostaron entonces a que caería Indonesia: Indonesia cayó. Después pusieron en la diana a Corea: bingo. Hong Kong y Malaisia venían inmediatamente más tarde. "Esos dos países tomaron medidas y atacaron a quienes les atacaban: sufrieron, pero pudieron con los especuladores. Esa es la lección que debe aprender Europa. Y esa es la mayor decepción de esta crisis: no hay solidaridad".


Aqui os jornalistas leram que ele disse que Portugal pode falir. E disse. Eu leio que afirmou que a seguir ao ataque à Grécia haverá outros ataques a economias do Euro, talvez a nossa e que se o queremos impedir temos que combater os especuladores já e que garantir que o Euro se dota dos mecanismos de que não dispõe.
Talvezeu esteja a ler enviesadamente as notícias, mas não vejo que elas chamem minimamente a atenção para que o tal risco de falência de Portugal seja um risco de falência do Euro e não a resultante de um erro português. Sem este segundo elemento, a notícia transforma Stiglitz em companheiro de quem é adversário e faz do seu aviso para que a Europa mude de caminho um anúncio de que Portugal por sua culpa vai por caminho errado.
Talvez tudo se resuma a uma diferença de perspectivas, embora implique terapias radicalmente distintas. Os que pensam como Simon Johnson defenderão mais restrições orçamentais unilaterais de Portugal para combater a propensão dos governantes portugueses para o despesismo, os que pensam como Stiglitz defenderão mais solidariedade e concertação europeia para combater em conjunto a crise que a irresponsabilidade do sector financeiro gerou e para a qual estamos a ser arrastados. A leitura também define o leitor. E preocupa-me ver pouca gente em Portugal, mesmo no centro-esquerda e na esquerda a pôr a tecla no sítio que me parece certo. Acho que estamos a interiorizar processos de culpabilização, como se querer modernizar o país economica e socialmente fosse uma aventura que Portugal não pode permitir-se.

PS. Ao rever as leituras atrasadas reparo que o João Rodrigues já disse ontem, no Ladrões de Bicicletas e no Arrastão coisas em que me revejo completamente sobre este assunto: ou há solidariedade ou vai cada um para seu lado.

3 comentários:

Attac Portugal disse...

O Banco Corrido estaria interessado em ser um blogue solidário com a iniciativa “Cartada contra a privatização dos CTT”? Trata-se de uma iniciativa da ATTAC Portugal. Ver mais informação em www.correiopublico.net/ ou no evento no Facebook

Divulgar este evento seria já uma preciosa ajuda.
Para receber informações regulares da iniciativa e ir divulgando outras actividades que se desenvolverão, confirmar disponibilidade para attac@attac.pt

Abraço

Francisco Tavares disse...

Todo o cenário está montado para que Portugal seja a próxima "vítima". Ainda há dias li declarações do min. Finanças da Grécia que anunciava que o próximo alvo era Portugal. Certamente quem passou a notícia ao min. grego, foi para o animar, para dizer que não estava sòzinho. Há, pois, parece, um plano. E o artigo de Simon Johnson no NYT foi mais um indicativo. O objectivo pode ser para agravar a taxa de juro dos empréstimos a Portugal. Os bancos perderam dinheiro com a crise que provocaram, devido à leviandade na concessão de créditos, ultrapassando os limites de alavancagem financeira prudente, como recentemente também referiu Stiglitz em entrevista aparecida na Visão, e precisam de recuperar das perdas. Aos bancos e a quem os apoia pouco importa o ambiente depressivo das economias periféricas, como Portugal, Espanha, Grécia e Irlanda, que gerou desemprego e ausência de receitas, aparentemente pela deslocalização oportunista dos investimentos em direcção a países mais próximos do gigante alemão, como a República Checa, que apresenta, verosimilmente, vantagens competitivas evidentes, como custo dos factores de produção e custos de transporte. O que nos parece é que o espaço económico europeu deve ser considerado como um todo e, devem ser tomadas medidas concretas para incutir dinamismo às regiões deprimidas. Já houve quem falasse em governo económico europeu. Seja o que for. Não podemos ficar calados.

MFerrer disse...

Só posso estar de acordo consigo e, sobre essa mesma solidariedade, muito tenho já escrito. Sobretudo no aprofundamento da união europeia relativamente ao caminho que deve ser seguido para uma governação económica em comum.
Esta UE ou caminha nesse sentido ou não tem futuro.
Por outras palavras, "a política" deve estar no comando e, para estar nessa posição, tem que ter um plano e um Orçamento comuns.