A Câmara de Santa Comba Dão tem um problema delicado em mãos, que deriva da sua ligação a Salazar ser simultaneamente um fator de notoriedade, talvez "o" seu fator de notoriedade e esta ser ideologicamente carregada. Após décadas a fazer de conta, tem agora um autarca que decidiu virar o rótulo a seu favor. Mas fê-lo com a seguinte perspetiva:
"A nossa é sempre uma perspetiva objetiva e histórica, porque os juízos de valor não têm de ser feitos pela autarquia, têm de ser as pessoas, os historiadores, os investigadores [a fazê-los]. Nós temos apenas de demonstrar a nossa convicção de que o que estamos a fazer é útil para o concelho e para a região. E se temos um vinho `Memórias de Salazar" é porque sentimos que as pessoas procuram essa ligação quando nos visitam"
O senhor Presidente da Câmara desenvolve um raciocínio absurdo e politicamente cai num erro profundo, para quem se coloca numa perspetiva democrática.
Primeiro, porque uma autarquia não é uma associação comercial nem um corpo de funcionários, é um orgão de poder local, não é legítimo que diga que não tem que fazer juízos de valor sobre história política. Pelo contrário, uma autarquia, em matéria de história política tem que fazer juízos de valor desse género nas mais diversas atividades, da simples toponímia à sua política de memória histórica. E uma autarquia como Santa Comba Dão está na primeira linha das que os têm que fazer.
Segundo, porque o exercício de transformar a marca do ditador no símbolo do concelho, acriticamente ou melhor panegiricamente embora com o panegírico disfarçado de acriticismo é uma escolha do campo antidemocrático. Pode o senhor Presidente até objetar que se o seu município fosse a Marinha Grande, Baleizão ou Almada manipularia o sentimento antifascista da mesma forma que tenta fazê-lo com o filofascista na sua terra. Mas é pura falácia. Ele bem sabe que quem comprar as garrafas de vinho "Memórias de Salazar" não está interessado na qualidade da pinga mas em levar consigo o ícone do ditador.
Volto ao princípio. Santa Comba Dão tem que lidar com a memória de Salazar. Nesse ponto o Presidente da Câmara tem razão. Mas tem que escolher lados. Pela sua lógica "neutra" se fosse autarca na terra natal de Hitler venderia cerveja com o rótulo do facínora. Em suma, o Presidente da Câmara de Santa Comba Dão escolheu uma má maneira de lidar com uma boa questão de política local. Apenas se pode desejar que os democratas locais que não sofram de sentimentos ambíguos em relação a Salazar sejam capazes de perceber que a gestão deste problema marca mais decisivamente o futuro local do que as diferenças ideológicas de carácter nacional ou internacional. A democracia local também vive da capacidade de unir e dividir em função de causas estritamente locais.
Quanto aos produtos "Salazar", só tenho uma reivindicação. Publiquem os nomes dos produtores que querem ter vantagem comercial com a associação a essa marca. Eu, como consumidor, sei o que fazer com todos os seus produtos que me apareçam à frente, tenham a marca que tiverem.
2 comentários:
Bom texto Paulo. Em tempos tive oportunidade de conversar sobre este tema com o Presidente da Câmara de Santa Comba Dão sobre a questão do uso do nome de Salazar como elemento de uma estratégia de promoção e valorização da terra. E fiquei com a sensação de que faz falta, nestas coisas, alguma capacidade de ver para além das soluções que, pelo menos aparentemente, nos podem trazer beneficios económicos. Nem sempre é bom que falem de nós. É preciso cuidar do que dizem de nós. E promover uma terra, socorrendo-se da figura do ditador, que governou Portugal durante 48 anos, não me parece ser a melhor forma de prestar um bom serviço à terra nem à democracia.A ideia do Presidente da Câmara, tal como a entendi nessa conversa, é utilizar o icon do ditador, para chamar a atenção da terra e promove-la como lugar de interesse turistico,deixando que cada um faça a sua avaliação. Fala.me, nessa altura, da ciração do museu Salazar.
mas esse vinho só compra quem quer, agora com os chineses na EDP, como sabem a China é um exemplo de democracia, das duas uma ou começamos a gastar velinhas ou então somos mesmo obrigados a gastar electricidade de uma empresa em que os "democratas" chineses tem participação. Onde está o problema?
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