José Manuel Fernandes coloca-me - em matéria de análises sobre a luta contra a pobreza - ao lado de Daniel Oliveira e por oposição a ele próprio e Isabel Jonet. Na parte que me toda, jogando a quatro, os pares estão bem escolhidos.
Sobre o que eu disse do "core business" do Banco Alimentar e como ele o leu, volto a concordar, não nas premissas e no relato, mas na conclusão. Sugere ele que vão ler. Reforço o convite.
Sobre caridade, fraternidade e Estado social, com franqueza, são temas que no plano das ideias só vale a pena discutir quando não se confunde a romantização da pobreza como instrumento inimigo da mobilidade social do salazarismo com a luta contra a pobreza num Estado social e democrático de direito ambientalmente sustentável (a expressão é de Gomes Canotilho, não minha) no século XXI. Aliás, a bem dizer, nesse Portugal salazarista das elogiadas meias-solas, os pobres nem sequer eram encorajados a lavar os dentes... com ou sem copo.
Por acaso, a escolha da saúde oral como tema é bastante interessante. Pergunte-se a qualquer especialista no campo como era a preocupação com a saúde oral dos pobres no pré-25 de Abril. Para ser justo, aliás, antes e até muito depois. Ou ainda ouviremos o contra-argumento do açucar em excesso em dietas desequilibradas? O nível dessa resposta andaria próximo da reinvenção actual do bife como metáfora da abundância que eu julgava ter-se esgotado lá pelos anos 80 do século passado, antes da pirâmide dos alimentos ter passado a roda.
No caso de quem me lê querer discutir a sério o sentido contemporâneo da caridade, não aconselho a perda de tempo com metáforas salazarentas e enxertos liberais justificativos dos disparates governamentais, mas o debate das duas encíclicas de Bento XVI dedicadas ao tema. Serão muito mais úteis para percepcionar o que nos pode unir e dividir na relação entre dádiva e direitos que a discussão de bifes, meias solas e copos de dentes. Da última dessas encíclicas, como aperitivo à leitura - eu que não sou cristão - retomo um só parágrafo que aposto que quer José Manuel Fernandes quer Isabel Jonet atribuiriam a outro autor se eu não citasse a fonte:
"as políticas relativas ao orçamento com os seus cortes na despesa social, muitas vezes fomentados pelas próprias instituições financeiras internacionais, podem deixar os cidadãos impotentes diante de riscos antigos e novos" (Caritas in Veritate, § 25).
2 comentários:
Talvez porque ache que não é muito o que separa os pares em disputa (talvez mais uma maior intensidade na vertente estatal num dos pares e uma maior intensidade em valores morais sociais no outro) choca-me sobretudo o facto de que José Manuel Fernandes apenas sabe fazer links para si próprio à margem da mais elementar "netética". Nem para o blogue Banco Corrido nem para a Encíclica...
JMF faz de conta que não percebe e põe na boca de Isabel Xoné aquilo que ela não disse. Quem não defende hoje em dia a frugalidade e a sustentabilidade? Mas se não foi isso que ela disse! Acho muito bem que JMF queira ajudar o próximo, mas daí a pretender que o próximo não tenha simplesmente o direito a uma vida digna mas apenas a sorte (ou não) de ser esmolado por Xoné&Cia diz tudo sobre JMF. Esse senhor não é para levar a sério. É uma espécie de Monty Phyton, de vez em quando leio a sua coluna semanal no jornal que ajudou a afundar porque gosto de me entreter com o absurdo e as suas possibilidades.
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