27.4.09

Nova política urbana e habitação social em Almada (com adenda)

A "guetização" é a via clássica para enfrentar o problema da habitação dos grupos sociais em risco de exclusão. Primeiro, por inércia, deixou-se que bairros clandestinos se construissem e consolidassem numa existência à margem da vida urbana. Depois, tentou-se destruí-los, transplantando-os do modo mais absurdo de guetos de lata para guetos de betão, construindo grandes bairros que funcionam como cocktail de concentrado de problemas sociais, embora tenham dado aos autarcas a sua photo-oportunity, no momento das cerimónias de entrega de chaves. Há décadas que, primeiro nos EUA e depois pela Europa fora, se sabe que consequências tem este tipo de política. Mas isso não impediu que fosse seguida em Portugal e que, mais espantosamente, prossiga ainda. Porquê, se é tão evidente que causa problemas em vez de os resolver? O Walter Rodrigues explicou-o bem: A edificação do alojamento social em áreas urbanas de solos a custos mais reduzidos e em construções densificadas reduz os custos económicos mas agrava os custos sociais. Do mesmo passo agrava a segregação de áreas já segregadas, reforçando as desigualdades urbanas. Claro que o reverso desta moeda é a deliberada libertação de terrenos mais valorizados para os colocar no mercado privado e jogar o jogo do investimento imobiliário. Se podemos considerar esse jogo legítimo da parte do mercado, já da parte dos poderes públicos, ele é, para dizer o mínimo, obsceno. Com efeito, os poderes públicos e as autarquias dentro destes não têm tido políticas sociais de habitação mas políticas de habitação social subsumidas à especulação imobiliária. Neste capítulo e para o pior, como diz o Walter, Almada é um case-study. Isso mesmo será demonstrado pelo PS na Assembleia Municipal extraordinária que exigiu e hoje começa, porque há que combater esta doença urbana, como salientei anteriormente. As políticas guetizadoras deixaram muitas famílias de fora do acesso a direitos fundamentais (como o caso do bairro que por ser clandestino não tem sequer um chafariz em pleno século XXI)e confundiram, para outras, o realojamento com a política social de que deve ser instrumento. O problema da falta de habitação ficou por resolver, apesar da libertação de terrenos para os famosos "planos" municipais. É urgente definir novos caminhos, num momento em que em Almada já se atingiu há muito um nível de concentração de bairros sociais segregados para além do razoável e permanecem por resolver enomes carências de habitação. O modelo de realojamento do futuro tem que pôr o combate ao apartheid social que a segregação produz no topo das prioridades, tem que dispersar famílias carenciadas pelo tecido urbano, tem que renunciar às patéticas cerimónias paternalistas de "entrega de chaves", tem que fazer acompanhar a realização deste direito com a contratualização da assunção de responsabilidades por parte dos beneficiários, tem que garantir o acompanhamento de serviço social pós-realojamento, tem que respeitar redes familiares e sociais. Na nova política de cidade, o problema da falta de habitação deve ser resolvido com prevenção exigente do crescimento da habitação clandestina, promoção do arrendamento e realojamento eficaz, socialmente integrador e discreto. Tudo ao contrário do estardalhaço em que se tem embrulhado a transferência de lugar dos problemas sociais, para garantir que o capitalismo imobiliário selvagem prossegue a sua lógica a coberto de um especulador imobiliário público, que pode ser, como em Almada é, uma autarquia com trinta e cinco anos acumulados de gestão do PCP. Adenda. A Assembleia Municipal de ontem demonstrou bem o cansaço do poder municipal e a incapacidade de enfrentar este problema. Ontem, o PS que tomou a iniciativa de promover este debate, foi confrontado com uma atitude do PCP "gritante, mesquinha e teatral! (...) Já chega de tanta manipulação, de tanta insinuação torpe, de tanta gritaria insana e de tanto fazer que faz, mas faz mal!". Com efeito, o debate de ontem demonstrou definitivamente que os cidadãos de Almada podem ter a certeza de uma coisa: a política municipal de habitação só muda com mudança de Presidente e de maioria na Câmara.

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