Na última Comissão nacional do PS fiz uma intervenção que surgiu referenciada na comunicação social. Naturalmente, atendendo a que se trata de reuniões fechadas e os jornalistas têm acesso ao que lá se diz apenas em segunda mão, é-lhes dificil relatar fielmente o que se passou. E não os culpo se possa ter sido aqui e ali mal-entendido ou se algo do que disse e julgo mais importante não tenha sido publicado.
Entendo que em pleno Século XXI, as reuniões do orgão máximo do mais aberto partido português não necessitariam de portas fechadas e o partido teria a ganhar com total transparência, mas isso não vem ao caso.
Gostaria de partilhar com os leitores o espírito da reflexão que deixei nesta minha partida para um interregno na política activa quotidiana. O texto que vão ler a seguir não é o relato fiel do que disse. Mas é a síntese possível, reconstruida de memória, entre o que disse e o que tinha planeado dizer, que expressa o que penso sobre os desafios actuais do PS e da sua nova direcção, que saúdo.
0. Há um tempo para tudo na vida.
Durante este mandato na Comissão nacional faria 25 anos que entrei neste orgão e 20 que entre na Comissão política Nacional pela primeira vez. Um político tem que saber quando é o seu tempo para estar na acção e o tempo de se recolher para pensar e estudar, caso queira continuar a ser útil. Entendo que neste momento o meu melhor contributo para o PS passa por uma fase de recolhimento, participação em debates e não pelo dia a dia da actividade política, pelo que pedi a Francisco Assis para não ser incluido na lista para a CPN. Solidário com ele. apoiante até ao fim do Congresso, que a bem dizer ocorre nesta CN, aceitei ser suplente na lista, como penúltimo suplente. Ponto final, parágrafo, pois, neste quarto de século em que o PS esteve em primeiro lugar na minha vida cívica.
Deixo aqui, também, a minha reflexão actual sobre os desafios imediatos.
1. A necessidade de uma gestão adequada dos recursos políticos
O PS tem uma linha estratégica definida. Caberá à nova direcção dar os sinais adequados e escolher os protagonistas certos. Recordo que deve evitar-se o erro das exclusões cirúrgicas. Disse-o no momento próprio e não agora, a exclusão de António José Seguro de uma pasta ministerial é um exemplo de má gestão dos recursos políticos do partido. Um erro que espero que Seguro não repita agora.
Os primeiros sinais preocuparam-me. Não creio que seja uma boa opção do partido que é a alternativa de esquerda escolher para Vice-presidente do seu Grupo Parlamentar, um homem cujo pensamento político está seguramente à direita do actual Primeiro-Ministro.
Tem que se pensar a renovação e saber trazer de novo aos partidos os melhores, incluindo os que vêm de fora da actividade partidária. A geração anterior de socialistas soube-fazê-lo. A nossa não está a demonstrar ser capaz. E não se confunda renovação com a substituição de gente mais velha ou de outros pequenos grupos dentro do partido com os que seguem o líder A ou B há décadas, desde a JS ou na sua distrital. Essa mudança de rostos nada tem que ver com renovação.
2. Uma boa gestão da conjuntura política
O PS tem que ter plena noção de que a crise, se não começou após a queda do governo Sócrates também não acabou com ela. A nossa posição tem estado estritamente colada à ideia de que cumprimos o memorando de entendimento nas medidas operativas porque somos um partido de palavra. Mas não creio que se possa esgotar aí o nosso discurso.
Não podemos olhar para trás usando o que fizemos no anterior ciclo governativo como o PCP olha para a Constituição de 1976, tratando de modo imobilista e cerrando fileiras sobre o que foi feito. temos que ter consciência que haverá possivelmente ainda um aprofundamento da crise, novas medidas serão necessárias e o contributo de uma oposição ideologicamente sólida mas leal ao país será necessária,
Nesse quadro, há que dizer de modo claro que o país teve eleições que tiveram um resultado: os portugueses entregaram o Governo auma coligação PSD-CDS. O PS só pode aceitar voltar ao governo com uma nova legitimidade popular saída de novas eleições e no quadro de soluções que sejam apresentadas abertamente ao país.
3. Não cair na tentação do populismo de esquerda
É fácil tentar correr atrás do descontentamento inorgânico que muitas medidas terão que causar. Essa tentação pode conduzir-nos por caminhos pouco sólidos. O PS é um partido responsável, institucional, que procura contribuir para a resolução dos problemas do país. A sua agenda tem que ser uma agenda posicionada na esquerda reformadora e sintonizada com os problemas das classes médias e trabalhadoras.
Temos eleito o combate à corrupção como primeira prioridade política. Não contesto a sua importância, mas há um enorme risco de cair no populismo, quando se ergue esta causa que devia ser nacional e integradora em identitária e identificadora de uma força política.
Também aqui foi proclamado que o PS é federalista. Sou federalista eu próprio, mas temo pela consistência desta afirmação no quadro actual. O consenso discursivo que entre nós temos sobre federalismo pode acabar no mesmo impasse em que nos colocámos quando somos há trinta anos todos pela regionalização sem que daí tenha saído nenhum resultado prático.
Perante a crise, a primeira prioridade dos socialistas deve ser o emprego. Esse deve ser o eixo central das nossas propostas e temos que imaginar propostas realistas e consistentes que se adaptem às novas circunstâncias e aos novos problemas.
4. Temos que saber o que nos distingue à esquerda e à direita.
O PS pode orgulhar-se do resultado histórico do ciclo de poder que durou de 1995 a 2011 com um pequeno intervalo. Nesse período avançou-se no Estado social, nos direitos sociais e nos direitos cívicos, na mdoernização da sociedade portuguesa. Somos um país mais cosmopolita e menos injusto. Esse foi or esultado do programa que começou a forjar-se sob a liderança de Vitor Constâncio, se prolongou com Jorge Sampaio e se executou a partir de António Guterres. Esse foi o programa que resultou da Convenção da Esquerda Democrática e dos Estados Gerais, aperfeiçoado com as Novas Fronteiras.
Podemos dizer que fomos os arquitectos do Estado Social que hoje temos e ganhámos autoridade moral para atacar os que pretendem miná-lo nas suas bases, como a direita liberal. Mas fizémo-lo empreendendo reformas muitas vezes solitárias, em que nos faltou o respaldo expectável de uma esquerda à nossa esquerda igualmente orientada para o futuro, o que fragiliza esses resultados perante os ataques da direita.
O PS tem tanto que manter a sua demarcação da direita quanto que abrir diálogos, porventura conflituosos, com a esquerda maximalista e fixista. Há que desbloquear a esquerda exigindo mais de nós mesmo mas também sabendo que não há esperança se os outros não mudarem também.
Desbloquear a esquerda é necessário para que o PS não esteja condenado a governar solitariamente e/ou ao centro quando ganha eleições.
5. Agora, elaborar o programa para depois da crise.
O Programa elaborado nos anos oitenta e aplicado pelo PS desde os anos noventa produziu os seus resultados. Esgotou-se. Saúdo a iniciativa do "laboratório de ideias". O PS terá que voltar a ganhar a confiança dos eleitores com uma nova plataforma política adaptada ao mundo que surgirá depois da crise mundial. Há valores que são os que deveriam ter sido os de sempre: a liberdade, a igualdade, a solidariedade. Mas a expressão concreta e a tradução em medidas de política desses valores precisa de uma nova partida, adaptada ao que mudou na sociedade portuguesa, na Europa e no mundo. Atenta às aspirações actuais das pessoas. Capaz de reconhecer o que não funciona em caminhos anteriormente percorridos, os efeitos perversos que se tenham produzido e as áreas que ficara por abordar e desenvolver.
Na oposição é que os partidos reaprendem como governar a seguir. Oxalá o PS consiga fazer essa aprendizagem neste período de oposição.
1 comentário:
Gostei.
Obrigada Camarada Paulo Pedroso por esta reflexão, que enquadra a história da governação socialista desde 1995 é também orientadora quanto a prioridades e perspectivas futuras.
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