11.5.09

Os incidentes da Bela Vista e a necessidade de uma nova política social de habitação

Foto: Carlos Varela, JN Os acontecimentos do bairro da Bela Vista trouxeram para a ribalta mediática um dos maiores problemas urbanos das próximas décadas: o modelo de acantonamento social dos grupos desfavorecidos em bairros separados do resto da cidade falhou no objectivo essencial de criar condições de vida digna e incluir socialmente populações vulneráveis. Este falhanço não é português, é geral, não é apenas do nosso modelo de gestão do realojamento é desta concepção de realojamento. Em todo o lado e em particular nos EUA que começaram o modelo e em França de onde o importámos também é assim. Por toda a parte estes bairros vivem em tensão permanente, sitiados pela polícia, criando um clima de guerra civil surda entre a autoridade e os residentes que sobe de tom sempre que um rastilho se acende. As culpas pelo falhanço repartem-se entre as soluções urbanísticas, que quase sempre separam estes bairros das cidades em que existem, guetizando-os; a gestão dos processos de realojamento, criando comunidades de vizinhança sem nenhuma rede de solidariedade e quebrando as solidariedades pré-estabelecidas; o reducionismo de quem pensa que realojar é apenas transferir pessoas de uma barraca para uma casa, sem acompanhamento social duradouro; a incapacidade dos residentes para gerar lideranças que travem a propensão à marginalidade que se torna cumulativa e os métodos de policiamento que preferem a visibilidade mediática mais próxima do exército de ocupação à infiltração discreta, a expedição punitiva à convivência quotidiana, a repressão à monitorização preventiva eficaz. Estou convencido que as grandes concentrações de bairros sociais não têm boa solução, pelo que há que gerir o melhor possível a integração dos que existem no tecido urbano, acompanhando-os. Mas, sobretudo, é tempo de parar de construir novos bairros. A carência de alojamento permanece. Em Almada, por exemplo, ainda abrange milhares de famílias, após trinta e cinco anos de incapacidade para acabar com os bairros clandestinos e a subsistência de alojamento degradado. Pelo que tem que haver novas respostas. Também nestas é necessário combater o folclore das entregas de chaves para efeitos de campanha eleitoral. Pelo contrário, há que diversificar as soluções de realojamento e de apoio social a quem dele carece: rendas sociais em bairros não estigmatizados, inclusão de habitação social, com muito baixa densidade em todas as zonas da cidade, acompanhamento de famílias fragilizadas para prevenir e combater o risco de desfiliação social. Se não queremos que os incidentes da Bela Vista progridam de incidentes isolados num ou outro bairro especialmente problemático para uma situação generalizada nos grandes guetos ubanos que estão a ser construídos há décadas, é hora de mudar de rumo e definir uma nova política social de habitação, sem grandes concentrações propensas a serem capturadas por lideranças à margem da lei, onde os problemas sociais se concentram, se multiplicam e se agudizam. A minha proposta a Almada vai nesse mesmo sentido. Paremos de criar novos bairros sociais, já. Diversifiquemos os métodos e soluções de realojamento, imediatamente.

1 comentário:

jose albergaria disse...

Caro,
Ele há experiências interessantes em França (que foram os primeiros a utilizar etsas soluções desastradas dos HLM, a 30 quilómetros de Paris, no final da década de sessenta do século pássado, em que acantonaram os que viviam, às centenas de milhares, nos bidonvilles...);
ele há experiências interessantes na Alemanha (em que são os próprios moradores a gerirem os bairros, ditos sociais, com todos os direitos e deveres, daí decorrentes;
ele há uma experiência, singularíssima, no Bairro das Spateiras, em Loures, que ocorreu, por mero acidente, creio que em 1992 (...);
ele há propostas actuais de construtores, que não conseguem vender os prédios que construiram, com os dois mercadores de habitação saturados (primeira e segunda habitações...), para se colocar no "mercado" do realojamento social essas mesmas construções, misturando os compradores naturais" com os realojados.Tanto quanto sei estas sugestões já foram presentes à Secretaria de Estado Ana Paula Vitorino.
Ele há muitas possibilidades, muitos trilhos a percorrer.
É preciso rupturas, novos paradigmas e, será (opinião minha, pouco sustentada...)esse o caminho, que o Paulo Pedroso "deverá" (leviandade minha esta formulação)percorrer para arrancar uma BOA votação nas próximas autárquicas em Almada.
Abraço,
JA
PS- Dê o caminho que lhe aprouver aeste comentário