2.9.10

Prescreveram dívidas fiscais iguais a 5 vezes os cortes "indispensáveis" nas prestações de apoio ao mais pobres?

Na resposta à crise, temos sido inundados com anúncios de redobrado rigor na gestão das prestações sociais, que a par com os cortes dos montantes, vai permitir ao Estado poupar umas centenas de milhões de Euros. 
Esta é mesmo a bandeira do rigor orçamental no ano de 2010. O risco de fraude dos pobres e o perigo de descontrolo na gestão das despesas com protecção social (e com saúde, e com educação, já agora) tem sido zurzido na praça pública, perante um silêncio estranhamente embaraçado, quando não um aplauso discreto, de vários membros do governo, que julgam encontrar aí uma chave importante para a contenção do défice. Relativizar o peso da fraude dos pobres passou a ser politicamente incorrecto e sinal de apoio a um inaceitável laxismo público, conhecido pelo nome de despesismo.
Mas, no mínimo, é tão mal gasto o dinheiro que o Estado deixa de receber por inércia perante os contribuintes faltosos quanto o que quer deixar de pagar a recebedores que manipulem o sistema de prestações sociais. Diria mesmo que, no plano moral, é mais aceitável um erro de mesma dimensão numa prestação a pobres que numa cobrança de dívida a abastados, mas ao dizê-lo afasto-me excessivamente da retórica do Dr. Portas para o palato actual do debate político entre governo e oposições. Contudo, os mil milhões de dívida fiscal prescrita que a IGF terá encontrado em Lisboa e Porto e o Público noticia hoje correspondem a cinco vezes o corte que o governo achou necessário fazer nas transferências sociais para os mais pobres como medida de combate ao défice excessivo.
Repito a pergunta: queremos uma sociedade de transparência e rigor para ambos os extremos da pirâmide social? Até agora, não se tem ido por aí e a severidade para com os mais pobres não aprece ter equivalente noutras paragens.
Será pedir muito a um país que tem recursos para ocupar técnicos de emprego a fazer de polícia em entrevistas de emprego, que tem recursos para chamar dois milhões de pessoas a provar os seus rendimentos para corrigir eventualmente as suas prestações numas dezenas de euros e que tem desempregados a ter que apresentar periodicamente carimbos comprovando que foram a essas entrevistas, que consiga organizar-se para ter recursos para que dívidas fiscais de mil milhões de euros não prescrevam?
De repente veio-me à memória um tópico da sociologia do direito, o da selectividade da actuação do Estado no enforcement das suas próprias prescrições normativas.

4 comentários:

Micael Sousa disse...

Sem dúvida que perseguir os "pobres" e deixar à solta os "ricos", no que toca à redução de prestações sociais e de colecta de impostos, é uma perversão do Estado Social e um rude golpe rumo ao Estado Providência.

Anónimo disse...

O "Estado" deixou prescrever 1000 milhões de euros! Não existem responsáveis? Não era esta verba mais do que suficiente para manter os apoios sociais? Serão os desfavorecidos os culpados?

Definitivamente este país é governado por gente de baixa estirpe, incompetente e iconsequente.
Revolução precisa-se!!!

Hugo Cruz disse...

É incompreensível como podem deixar prescrever processos de dívidas fiscais, ainda por cima tendo em consideração o montante em causa, que é bastante elevado.
Precisamos de uma nova revolução!!!!
Ass.: p. do filo

Obrigado.

Francisco Tavares disse...

É assim tão difícil fazer funcionar os serviços de cobrança dos impostos? Não há supervisão dos processos? Haverá corrupção?