30.11.12

Num blogue perto de si

Sobre a crise que anda por aí
Ainda Paul de Grauwe, António Figueiredo em Interesse Privado, Acção Pública
O pensamento ministerial e a realidade, Pedro Lains, em Pedro Lains

À direita, os ânimos andam exaltados
Cata-ventos, jfd em Forte Apache

Qualquer semelhança com ficção é pura coincidência 
It's time to stop killing in secret, David Cole em NYR Blog
Governo ucraniano negoceia com desconhecidos, Jest em Da Rússia

Justiça visgarolha
Operação Outono, JM Correia Pinto em Politeia

29.11.12

Parece-me que a crise pode passar a ser do sistema

Parece-me que há cada vez menos gente, à direita, a apoiar a estratégia do Governo e os seus planos para 2013 e, à esquerda, a apoiar a estratégia da oposição de o deixar governar até 2015. Se o Primeiro-Ministro e o líder da oposição se deixarem isolar em simultâneo das suas bases de apoio, a crise passará rapidamente a ser do sistema.

A Grécia provou que os memorandos de entendimento não estão escritos na pedra. E isso incomoda alguns.

Há dois grupos de pessoas incomodadas com o sucesso negocial da Grécia com a troika, pelo mesmo motivo. Os gregos, depois de muitos erros e hesitações conseguiram suavizar seriamente as condições do seu - e do nosso - resgate. Com isso, provam que nem a troika é um rochedo incontornável que tem que ser destruído à bomba nem ir além da troika é a estratégia mais inteligente mesmo para quem raciocine no quadro austeritativo que domina o BCE, a Comissão Europeia e o FMI.
Quanto já podiamos ter melhorado o nosso Memorando de Entendimento se não tivéssemos no governo alguém que mal consegue disfarçar que não gostou das notícias que implicam uma descida substancial dos juros que pagamos, entre outras vantagens para o país? Quanto do actual risco de destruição dos difíceis equilirios sociais do país teria sido mitigado se o PCP e o BE não tivessem lutado de braço dado com o PSD e o CDS em 2010 e 2011 pelo derrube de Sócrates, fazendo o papel de idiotas úteis aos nossos actuais refundadores? Os PEC podiam - e deviam - ter sido diferentes e melhores, mas este memorando precisa de ser refundado e não apenas retocado. Infelizmente, tal só será possível se e quando o país mudar de maioria. Vamos ver quem se alista para essa mudança e quem vai querer continuar, pela direita e pela esquerda, a defender que quanto mais fundo chegar a nossa crise, melhor para a sua vontade de refundar o país.

28.11.12

Salazar vive no coração do INPI

João César das Neves que divulga entre nós o mal que Voltaire fez à liberdade está bem acompanhado pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial. Este último, diz o Miguel Carvalho, proibiu o uso da marca "Memórias de Salazar" por conter "elementos susceptíveis de pôr em causa a ordem pública". 
Com a mesma veemência com que discordei da ideia de uma autarquia criar um vinho Salazar, defendo o seu direito a fazê-lo e repudio intervenções administrativas como a do INPI. No fundo, a proibição da marca e o fundamento invocado provam que Salazar está vivo em muitos corações e Voltaire não fez tanto mal aos portugueses quanto devia.  

Um Estado social para que os avós sustentem os netos? Já estará a acontecer aqui ao lado, em Espanha.

Em Espanha, entre 2006 e 2011 ocorreu uma inversão significativa na estrutura das despesas das famílias segundo a idade do principal angariador de rendimento. As famílias em que este têm entre 16 e 29 anos viram a despesa média descer de 11814 € por ano para 10345 €. As famílias em que este têm 65 e mais anos tiveram uma subida  de 10157 € para 12093 € por ano.
Com estes movimentos, as famílias sustentadas por idosos passaram a ter um nível de despesa superior às famílias sustentadas por pessoas no primeiro terço da vida activa. Provavelmente está a ocorrer uma redistribuição geracional de rendimento inversa da de antigamente. Agora, transferindo de avós para filhos e netos, em vez de filhos adultos para, simultaneamente, os seus pais e os seus filhos.
São sinais de um novo tempo, em que o Estado social centrado nos idosos, incapaz de lidar com as dificuldades do funcionamento do mercado de trabalho e moralmente enviesado contra a protecção de pessoas em idade activa, deixa à família alargada o papel de amortecer os efeitos da crise e, em particular, do desemprego. Mas é um  movimento pouco sustentável e pouco equitativo. É pouco equitativo porque as famílias com mais recursos se protegerão melhor, agravando a desigualdade por lhes ser entregue a função redistribuidora. É pouco sustentável porque, destroçadas as carreiras contributivas dos jovens de hoje por uma inserção fragmentária do mercado de trabalho, chegará o tempo em que, com os actuais mecanismos, os idosos futuros deixarão de poder assegurar esta redistribuição.
Oxalá ninguém se confunda quanto a que este amortecedor da crise é só um amortecedor. E, se assim é em espanha, apesar de eu não ter dados para Portugal, é bem provável que não esteja a ser diferente entre nós.


27.11.12

Somos todos culpados das mortes nas fábricas do Bangladesh


Foto: Reuters, via Yahoo! News

Enquanto não sentirmos que todos nós, que procuramos os superpreços, também temos culpa, haverá pessoas que morrem - às centenas -  a trabalhar por salários miseráveis em fábricas sem condições mínimas. Estes acidentes que não o são bem até tê culpados directos que são muitas vezes identificados quando as tragédias ocorrem, mas têm outros, indefinidos, que alimentam o sistema que os permite; porque resultam da dureza  extrema do supercapitalismo (como lhe chamou Robert Reich). Para ter presente este facto duro, basta ler o insuspeito blog da Harvard Business Review.
Este é o resultado de uma nova contradição entre capitalismo e democracia (como a que houve no século XIX, mas agora energizada pelas massas), que resulta do processo de "invisibilização" do trabalho nas cadeias globais de produção e que se alimenta da nossa indiferença. Voltando às palavras de Robert Reich, enquanto cidadãos temos ideais mas enquanto consumidores temos necessidades que os contradizem.

O que a troika (ce)deu à Grécia. O que Portugal devia andar a procurar.


Claude Juncker diz que as novas condições acordadas entre a troika e a Grécia também se aplicarão a Portugal e à Irlanda. É uma boa notícia. Oxalá, um destes dias, o governo irlandês tente melhorar também as condições do seu país e a troika e Juncker se revelem de novo amigos de Portugal. Porque o governo português está mais empenhado em ser mais troikista que pelo menos um terço da troika.
Para registo, saiba-se o que prometeu hoje o Eurogrupo à Grécia:


Enfim, um conjunto de ninharias que resultam de uma renegociação dura e que o governo português tem repetidamente considerado que país pobre mas honradinho não deve procurar, mas - bom tuga - não vai atirar fora quando resulta da negociação dos outros.
Já só Passos Coelho, Gaspar e talvez o BCE que fez a ideologia do nosso Ministro das Finanças acreditam na receita austeritária sem moderação cuja votação hoje impuseram ao PSD e ao CDS na Assembleia da República.

(texto reformulado e republicado sobre post anterior)

Num blogue perto de si

A carga policial de 14 de Novembro feriu os limites do Estado de Direito?
A luta contra o terrorismo policial continua, Garcia Pereira em António Garcia Pereira

A crise vai andar por aí
Por qué la crisis y recesión española irá a peor, en 10 gráficas, Marco Antonio Moreno em El Blog Salmón

Nos EUA os refundadores não se desculpam com a troika
Killing social security, with a smile, Froma Harrop em Real Clear Politics

Recomendações de leitura
Young People and Politics: Political Engagement in the Anglo-American Democracies. Aaron J. Martin. Routledge. May 2012.  (Apresentação de Jacqueline Briggs, em British Politics and Policy at LSE)

(...)
The chapters provide a fascinating insight into the topic of young people and politics but, of particular interest, is the detailed discussion of the political engagement facilitated via the internet. This new channel for political participation and political communication is discussed in an analytical and thought-provoking manner. The topic is given added relevance when one considers the way young people adopt new technology and are often at the forefront of its usage. New technology has the potential to facilitate the political socialisation process. The speed and ease of access mean that political messages can spread around the globe in a nanosecond. Witness, the 2011 Arab Spring and the way in which young people were at the forefront of that wave of protest and political action. An interesting aspect of internet usage, however, is the participatory inequality, not just in terms of who can access the internet but also in relation to what usage they make of it. This is to say that those young people more likely to participate in politics per se are precisely the young people who will participate via the internet. As Martin states, ‘… the more educated and politically interested (i.e. precisely those who would participate in politics regardless of the internet) are the group most likely to be politically engaged on the internet’ (p.113). ‘Twas, ever thus!
(...)

26.11.12

Sir Humphrey podia dar umas aulas aos autores de certas sondagens

Em ciências sociais não há perguntas perfeitas nem respostas independentes das perguntas que se fazem. Mas há casos de manual ou de anedotário, se preferirem. A empresa Pitagórica e o Jornal i protagonizaram uma hoje. Esta. Os sondageiros prontificaram-se a perguntar o seguinte: "O Partido Comunista e o Bloco de Esquerda defendem a realização imediata de eleições. Acha que se devem realizar já eleições?" Era mais fácil perguntarem logo: "simpatiza com o PCP ou com o BE?".
Na escola onde estes pitagóricos estudaram ninguém lhes ensinou o que é uma "leading question"? Sir Humphrey podia dar-lhes umas aulas práticas:


:

Prioridades portuguesas para os fundos estruturais: primeiros sinais são mistos


A Resolução do Conselho de Ministros nº 98/2012, hoje publicada, define cinco grande objectivos para o uso dos fundos estruturais da União Europeia de 2014 a 2020: a) Estímulo à produção de bens e serviços transacionáveis e à internacionalização da economia,; b) Reforço do investimento na educação, incluindo a formação avançada, e na formação profissional e, nesse contexto, reforço de medidas e iniciativas dirigidas à empregabilidade, desenvolvimento do sistema de formação dual e de qualidade das jovens gerações; c) Reforço da integração das pessoas em risco de pobreza e do combate à exclusão social; d) Prossecução de instrumentos de promoção da coesão e competitividade territoriais, particularmente nas cidades e em zonas de baixa densidade e promoção do desenvolvimento territorial; e) Apoio ao programa da reforma do Estado, assegurando que os fundos possam contribuir para a racionalização, modernização e capacitação institucional da Administração Pública e para a reorganização dos modelos de provisão de bens e serviços públicos.

A definição genérica de objectivos deixa sempre espaço para que se acomodem no seu seio matérias que não parecem evidentes na grande designação inicial. Mas este elenco tem boas e más notícias.
Entre as boas, destaco o apoio aos bens e serviços transaccionáveis, o foco na educação e formação  e o combate à pobreza.
Entre as más, há as que primam pela ausência e as presenças indesejáveis.  Parece-me, por exemplo, indesejável que se tente colocar fundos criados para apoiar o emprego ao serviço da supressão de emprego na administração pública. Custa mesmo a compreender que facilitar despedimentos possa estar entre os objectivos dos fundos estruturais e, nomeadamente, do que visa apoiar o emprego. Entre as ausências, ficam perguntas: o que vai acontecer à educação ao longo da vida? E à igualdade de género? E à promoção da igualdade de pessoas com deficiências e incapacidades? Não quero acreditar que desistamos de educar e formar os adultos menos qualificados da Europa, nem que deixemos de investir na igualdade entre mulheres e homens e menos ainda que se deixe de lado a promoção dos direitos sociais das pessoas com deficiência.


21.11.12

Na Austrália, hoje é o "go home on time day"


Quantas pessoas sairam de casa esta manhã sem saberem a que horas regressam do trabalho? Quantas serão apanhadas por uma reunião de fim-de-tarde que baralha a sua organização quotidiana? Um estudo australiano apurou que nesse país 2,2 milhões de trabalhadores saem de casa sem saberem a que horas voltam.
O The Australia Institute lançou, contra esta quebra de compromisso entre a vida profissional e familiar o "go home on time day". É hoje. Saiba tudo sobre a iniciativa, aqui.

17.11.12

Bifes, meias-solas e copos de dentes. A miséria da apologia da pobreza.

José Manuel Fernandes coloca-me - em matéria de análises sobre a luta contra a pobreza - ao lado de Daniel Oliveira e por oposição a ele próprio e Isabel Jonet.  Na parte que me toda, jogando a quatro, os pares estão bem escolhidos.
Sobre o que eu disse do "core business" do Banco Alimentar e como ele o leu, volto a concordar, não nas premissas e no relato, mas na conclusão. Sugere ele que vão ler. Reforço o convite.
Sobre caridade, fraternidade e Estado social, com franqueza,  são temas que no plano das ideias só vale a pena discutir quando não se confunde a romantização da pobreza como instrumento inimigo da mobilidade social do salazarismo com a luta contra a pobreza num Estado social e democrático de direito ambientalmente sustentável (a expressão é de Gomes Canotilho, não minha) no século XXI. Aliás, a bem dizer, nesse Portugal salazarista das elogiadas meias-solas, os pobres nem sequer eram encorajados a lavar os dentes... com ou sem copo.
Por acaso, a escolha da saúde oral como tema é bastante interessante. Pergunte-se a qualquer especialista no campo como era a preocupação com a saúde oral dos pobres no pré-25 de Abril. Para ser justo, aliás, antes e até muito depois. Ou ainda ouviremos o contra-argumento do açucar em excesso em dietas desequilibradas? O nível dessa resposta andaria próximo da reinvenção actual do bife como metáfora da abundância que eu julgava ter-se esgotado lá pelos anos 80 do século passado, antes da pirâmide dos alimentos ter passado a roda.

No caso de quem me lê querer discutir a sério o sentido contemporâneo da caridade, não aconselho a perda de tempo com metáforas salazarentas e enxertos liberais justificativos dos disparates governamentais, mas o debate das duas encíclicas de Bento XVI dedicadas ao tema. Serão muito mais úteis para percepcionar o que nos pode unir e dividir na relação entre dádiva e direitos que a discussão de bifes, meias solas e copos de dentes. Da última dessas encíclicas, como aperitivo à leitura - eu que não sou cristão - retomo um só parágrafo que aposto que quer José Manuel Fernandes quer Isabel Jonet atribuiriam a outro autor se eu não citasse a fonte:

"as políticas relativas ao orçamento com os seus cortes na despesa social, muitas vezes fomentados pelas próprias instituições financeiras internacionais, podem deixar os cidadãos impotentes diante de riscos antigos e novos" (Caritas in Veritate, § 25).


16.11.12

Ou é desmascarado ou desmascarou um mascarado do 14 de Novembro.

A sequência de fotos de Sérgio Lavos no Arrastão - que reproduzo abaixo - perturba-me. Ou ele é desmascarado ou desmascarou um  mascarado do 14 de Novembro de um modo que deita por terra todos os discursos deslumbrados, elogiosos ou meramente complacentes com a intervenção da PSP.
Continuo a interrogar-me porque abandonou a CGTP de mansinho o largo em frente à Assembleia, porque se deixou a PSP apedrejar por tanto tempo e porque houve tanta precaução e tão imediata em dissociar os distúrbios da CGTP. De certeza que há quem saiba muito mais do que se passou do que está à vista.

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Num blogue perto de si #3


Ainda no rescaldo da greve
Calhaus com olhos, Val em Aspirina B
No rescaldo dos confrontos de 14 de Novembro, Alexandre Rosa em Olhares do Litoral
Aprendam com o 15 de Setembro ou desapareçam, Val em Aspirina B
No dia da greve, Miguel Cardina em Arrastão

Saídas para as políticas da crise
A viragem, Pedro Lains em Economia e História Económica
Austerity bomb? Don't panic. Keep uour eyes on the prize, Ed Dolan, Economonitor

Há quem aposte nas Novas Oportunidades
15,000+ Hours of Free Video & Audio Lectures from World-Class Universities, Dan Colman em Open Culture


15.11.12

Para desbloquear a esquerda. Um bom contributo do PS.

João Ribeiro aborda os pontos fulcrais do desbloqueio da esquerda portuguesa. Sendo o autor quem é, o BE nunca mais pode dizer que não houve lista de pontos para diálogo. E é uma boa lista, para além de ser a primeira vez que um representante da direcção do PS enuncia claramente um conjunto de questões em que está aberto a uma evolução conjunta de posições:

Não é nada difícil desbloquear entendimentos à esquerda. Bastaria que o Bloco de Esquerda (BE) não estivesse obcecado por crescer eleitoralmente à custa de um PS enraizado na sociedade portuguesa e que, também por isso, representa muito mais que manifestos e elites. Bastaria que o BE renunciasse a qualificar a União Europeia como sistema autoritário, para que o PS avançasse na sua agenda já muito reformista em matéria europeia. Bastaria que o BE abandonasse a ideia radical de saída imediata da NATO, para que o PS discutisse criticamente a sua reforma e o papel de Portugal na aliança atlântica. Bastaria que o BE tivesse o bom senso de recuar no desejo de nacionalização total da banca, das telecomunicações e da energia (aprovado na Convenção e, curiosamente, ignorado por jornalistas e comentadores), para que o PS admitisse um reforço significativo dos instrumentos de regulação, aceitasse uma maior intervenção do Estado através da Caixa Geral de Depósitos e reconhecesse que errou ao admitir a privatização da REN. Mas reduziram tudo ao rasgar de um memorando de entendimento que o país foi forçado a assinar, também em boa medida, por responsabilidade do BE.

O artigo, na íntegra, está no i e é um sinal ao contrário da tendência que receio e referi no meu post anterior. Oxalá vingue.

Acumulam-se os sinais de que as instituições portuguesas reagem à crise com a sabedoria dos gregos contemporâneos

Quem convocou uma manifestação para a porta da Assembleia da República em dia de Greve Geral e não para uma praça de Lisboa, fez uma escolha da qual não tinha o direito de ignorar os riscos, atendendo às tendências que se vinham desenhando nos protestos naquele local.
Quem desactivou os seus mecanismos reconhecidamente eficazes de segurança a tempo de deixar os incontrolados à solta ainda a noite não era sequer uma criança, voltou as costas às consequências do seu gesto ou, se formos generosos na avaliação, reconheceu a sua impotência para o gerir.
Mas os desacatos no fim da manifestação de ontem são sintomáticos do novo tempo que vivemos. As forças que podiam e deviam enquadrar o descontentamento popular estão a perder essa batalha deixando no terreno apenas a "mão direita" do Estado como lhe chamava Bourdieu, que se ocupará em cargas policiais, detenções e similares.
Importa pensar como pode perder-se a batalha do enquadramento institucional do protesto e da sua canalização para uma energia construtiva de alternativas. Nesta fase, todas as forças que o podiam fazer demonstram inconsciência do problema ou incapacidade de reagir adequadamente.
Há as que - como o PS - sofrem do seu complexo histórico de responsabilidade e moderação. Atenção, não critico a actual direcção por isso. É um padrão que está inscrito nos hábitos enraizados do PS desde o fim do PREC. Ontem, lá deveria ter estado o PS, como esteve o PSOE em Espanha, activamente na greve. Mas, para isso era necessário que a UGT não tivesse ingenuamente deixado a CGTP tomar o comando dos acontecimentos e ser representante única em Portugal do protesto europeu. O que implicava que a UGT não mantivesse ainda um pé na salvação deste governo e não esperasse ainda um mírifico ganho de causa do diálogo com os refundacionistas.
Há as que - como o BE - não perceberam que há uma diferença entre os jovens - rascas ou à rasca - de há uma década e a novíssima geração de protesto que mistura uma explosiva combinação de hooliganismo de claque, retórica anarquizante pouco esclarecida e fascínio pela - para já pequena - violência. Sem líderes como os "ocupas" americanos, o BE pensou que podria enquadrar esta nova vaga, mas nunca os conseguirá levar para um acampamento de marxismo na Foz do Arelho.
Há as que - como o PCP e a CGTP - detestam os incontrolados desde sempre e de bom grado as entregam às mãos da polícia, um método historicamente eficaz, ainda ontem elogiado pelo Ministro da Administração Interna, mas que na era do instantismo mediático transforma vitórias de mobilização em derrotas de televisão.

Mas o que se passou ontem não é nada comparado com o que pode estar para vir. Estou cada vez mais convencido que Portugal se prepara para reagir à crise à grega, espartilhado entre a tarefa de Sísifo de ser bom aluno de uma receita errada e o radicalismo dos que querem aproveitar a ocasião para enfraquecer mesmo o sistema. Dêem aos portugueses 2 ou 3 anos de reacção à grega, deixando o governo ferir e gangrenar os consensos sociais que se geraram com o nosso sistema constitucional e esperem um resultado à grega. Repito, nesta fase, quando a luta aquece, ninguém sabe o que acontece e há uma ausência quase generalizada de consciência de que uma crise prolongada passará de económica a social (já passou) e de social a institucional, com desfechos ditados por circunstâncias diversas.
A hora é a da responsabilidade histórica dos líderes se não queremos que o país acabe à pedrada ou entregue à polarização entre a subida eleitoral dos neonazis e dos populistas de esquerda afundando-nos num empobrecimento tão duradouro como já se percebeu que será o grego.

Num blogue perto de si #2

Rescaldos da greve
Chega!, Isabel Moreira em Aspirina B
A privatização dos protestos, John Wolf em O Ouriço
Acontecimentos preocupantes em Lisboa, Alexandre Rosa em Olhares do Litoral
O dia não correu mal de todo ao governo, Estrela Serrano em Vai e vem
A violência gera violência, Ricardo Alves em A Esquerda Republicana
Uma estratégia mediática, AR em Direitos Outros
Bem, João Gonçalves em Portugal dos Pequeninos


Novas da refundação passista
A linha geral segundo Passos Coelho, Miguel Abrantes em Câmara Corporativa
Estão à vista os alicerces da refundação, Francisco Clamote em A Terra dos Espantos

Um refundador que anda lá fora a lutar pela vida
O chumbo estrondoso do camarada Barroso, Porfírio Silva no Machina Speculatrix

14.11.12

José Tavares sobre a relação entre a cólera e a liberdade

A perspectiva científica chegou ao PC chinês com 20 anos de atraso em relação à CGTP?

Fonte geralmente bem informada diz-me que a perspectiva científica do desenvolvimento que o Partido Comunista Chinês adoptou já está consagrada no Programa da CGTP há mais de vinte anos e foi proposta e recusada nas teses do PCP.
Assim sendo, o movimento sindical unitário está na vanguarda da renovação comunista, seguido a duas décadas de distância pelo PC Chinês mesmo sem contar com o apoio do partido luso. Como não disponho de meios de verificação autónoma, ofereço a notícia ao escrutínio público para que. na dinâmica colaborativa da net, possa ser confirmada ou mandada para o caixote do lixo da história.

O general, a amante dele, a sua amiga que era amiga de um polícia e o colega do general. O Big Brother é um algoritmo alimentado por nós.

A amante do general escreveu uns mails anónimos e ameaçadores a uma amiga dele. A amiga tinha um outro amigo na polícia a quem pediu para investigar a origem dos mails. O amigo começou o trabalho mas foi afastado da investigação quando os chefes descobriram que tinha mandado fotos consideradas  inconvenientes para a sua imparcialidade - talvez em tronco nu - por mail à sua amiga que era amiga do general e tinha feito a queixa. Os polícias que o substituiram descobriram que os mails denunciados eram da amante do general que também lhe tinha mandado mails a ela e que, além disso, outro general tinha mails pouco consonantes com o seu estatuto. Como os generais não podem ter amantes que se saiba que tenham, a sua carreira profissional vai acabar na sequência de uma infracção disciplinar, a de ter cometido adultério. Como o dito general estava em funções sensíveis também tem que abandonar o posto por conduta imprópria ou risco de ser chantageado ou por ambas as razões. O outro general está em apuros. A amante que é ou era tão casada como o general teve que pedir ao marido que cancelasse a festa de anos que estava prevista para o fim de semana em que todos soubemos da história e.... paremos por aqui.
Que temos nós todos a ver com isto? Toda a investigação que levou à demissão do director da CIA, ao afastamento do inquérito do agente do FBI, às dificuldades por que passa o chefe militar americano no Afeganistão e aos eventuais problemas familiares de todos eles e da agora ex-amante do director da CIA se baseia numa única fonte - eles próprios.
Qual direito a não se auto-incriminarem? Qual direito à privacidade? Usaram o mail. Foram eles que escreveram. Ninguém os forçou. A investigação há-de ter tido acesso legal às suas contas. Não é por acaso que a Google diz que está a receber cada vez mais pedidos de acesso a elas por parte dos governos. Mas qualquer hacker ou qualquer agência de espionagem mais ou menos manhosa também podia tê-lo tido ilegalmente. O Director da CIA é mais fácil de apanhar do que Bin Laden e eu posso saber todos os segredos da vizinha do 7º andar contra a vontade dela desde que munido de um computador e - como sou ignorante na matéria - tenha um ciberesperto ao lado..
A culpa é deles que doaram a sua privacidade aos armazenistas de informação. Todos doamos. E, seja esse armazenador uma multiinacional americana, o nosso patrão, o nosso colega de trabalho ou o nosso empregado, estamos a fazê-lo todos os dias. E não conseguimos evitá-lo. O Big Brother é só um algoritmo que digere e devolve os fragmentos que alguém considere relevantes daquilo que nós que lhe oferecemos.

12.11.12

Uma pergunta aos rasgadores unilaterais de memorandos

O Acácio Lima, amigo e leitor deste blogue, recorda-me - a propósito do erro sectário do BE - o dia seguinte de um "rasganço" unilateral do memorando com a troika. A pergunta merece se endossada publicamente à nova liderança bloquista: se, por acaso, estivessem na posição de poder que dizem ambicionar e rasgassem o memorando unilateralmente, qual é a vossa receita para financiar o Estado nos meses seguintes e pagar os ordenados, as reforma, as funções sociais e tudo o resto?
Como o BE não está sozinho na retórica do "rasganço" são muito bem-vindas as respostas de todos os rasgadores de memorandos que se quiserem incomodar a dá-las.

Willkommen


(com os agradecimentos a Ana Vicente, que teve a ideia de tuitar o vídeo).

11.11.12

O eterno retorno do erro sectário do Bloco de Esquerda

O Bloco de Esquerda continua enganado no adversário principal,  ao concentrar as suas energias na troika. E continua incapaz de ver o PS como uma força com a qual há que dialogar, com respeito pela sua influência social e política no país. O que diminui em vez de aumentar a possibilidade de o país ser governado pela esquerda.
O Bloco fala como se Passos Coelho fosse uma marioneta da troika. Pelo contrário  a troika é um aliado de ocasião das ideias que ele tinha antes de imaginar que ela chegaria a Portugal. Recomendo, pois, aos estrategas bloquistas a leitura deste documento da campanha de Passos Coelho contra Ferreira Leite, em Maio de 2008. Já então dizia abertamente pretender entre outras coisas:


O Bloco já ignorou uma vez o perigo de Passos Coelho chegar ao Governo em 2011, ao participar na tenaz esquerda-direita que derrubou Sócrates e fazer campanha com a ideia de que Passos Coelho não seria um Primeiro-Ministro diferente de Sócrates. Repete agora, acho, o erro ao ter como slogan "vencer a troika" estrangeira e não a direita caseira. Penso que já é visível para quem o queira, que há outra forma de ser interlocutor da troika e que vêm do próprio BCE e do FMI sinais de abertura para alternativas que Passos Coelho obstinadamente recusa em vez de esforçadamente procurar ampliar. Passos acredita na receita que está a aplicar, não está obrigado a ela. E esse é o nosso maior problema. A troika é apenas um problema sério, mas de segundo nível. Veja-se como, na própria direita europeia, Espanha gere de modo diferente a crise ou como os tecnocratas italianos procuram navegar nos interstícios de oportunidade que existem. Mas o Bloco prefere atacar a troika, consciente de que com isso se demarca inexoravelmente do PS em vez de atacar o PSD abrindo a porta a soluções políticas de entendimentos concretos com este.
Com o caminho que seguiu este fim-de-semana, o Bloco de Esquerda está em força nas primárias da esquerda populista, disputando ao PCP o apelo a um eleitorado que sofre as consequências destas políticas,sem lhes compreender as causas nem vislumbrar alternativas viáveis, mas retira-se do caminho da construção de uma alternativa de Governo de esquerda.
Dir-me-ão os amigos da maioria bloquista que não, que o Bloco anunciou o "verdadeiro" governo de esquerda. Esse que eles imaginam há-de chegar quando as massas revoltadas queimarem o Memorando em cerimónia pública no Terreiro do Paço e a insurreição popular generalizada na Europa tiver derrotado todas as comissões executivas da burguesia. Radio Tirana anunciava algo parecido há uma décadas.
Ao não perceber que a prioridade devia estar na construção de alianças concretas sobre políticas concretas e não na criação de zonas demarcadas de objectivos finais como a expulsão da troika, o Bloco auto-marginalizou-se do espaço das alternativas de Governo ao PSD-CDS e enfraqueceu a esquerda como um todo. Oxalá os portugueses não se enganem na avaliação deste erro crasso da nova liderança do BE e os que querem reforçar o espaço dessas alternativas tenham força suficiente e protagonistas capazes.

As devoções a São Martinho: o vinho, o milagre e a caridade


Pieter Bruegel, o velho - O vinho do dia de São Martinho, Museu do Prado


No dia 11 de Novembro de 397 foi a enterrado o ancião Martinho, de 81 anos, bispo de Tours, o primeiro não mártir a ser santificado pela Igreja Católica. A Igreja Católica estava numa fase de institucionalização e o culto de São Martinho é um bom exemplo até hoje de dois elementos da força social do cristianismo: o sincretismo e a coexistência da teologia dos teológos e da teologia popular.
Para as populações rurais esta é a altura de começar o novo ciclo do ano, de renascer, consumindo pelo Inverno dentro as colheitas conseguidas no Verão. Por esta altura, celebravam-se os mortos (culto trazido para o Dia de todos-os-santos) e o renascimento era simbolizado no "vinho novo", momento de uma festa dionisíaca em honra da transformação da água em vinho. A eucarístia é um ritual que usa o vinho como metáfora do sangue na encarnação de Deus, pelo que a sacralização das festas do vinho permitia dar um fundo popular à religião ainda que houvesse que "domesticar" os cultos extremos dionísiacos, numa batalha incessante pelo equilíbrio entre sagrado e profano que ocuparia as práticas de culto até hoje. Tal como aconteceu com outras dessas festas, o calendário religioso misturou-se com os ritos pré-existentes, substituindo referências sagradas não cristãs por referências cristãs e autorizando a coexistência de sagrado e profano na comemoração. O "São Martinho, castanhas e vinho" é o produto do pragmatismo que resulta no sincretismo da celebração da época de excessos em torno do vinho novo.
Se há uma celebração profana e uma celebração sagrada, também esta se estabelece através de uma síntese   que se repete incessantemente na história do cristianismo.
O São Martinho, santo do povo, é um santo milagreiro. Na evolução da teologia dos teólogos, ficará associado à virtude da caridade.
No episódio lendário que serve de base às duas narrativas, Martinho, ainda soldado, encontra no Inverno um pobre, esfomeado e andrajoso a quem nada tem para dar, tendo a inspiração de cortar a sua capa ao meio e a repartir com ele, expondo-se ele próprio ao frio. Deus, recompensando-o pela caridade, transformou subitamente o Inverno em Verão para que um e outro sofressem menos as agruras do clima.
Da devoção popular nasce a lenda do "verão de São Martinho", alívio no sofrimento do Inverno para que a a alegria da festa do vinho novo possa, abençoada por Deus, decorrer nas condições mais favoráveis. A devoção dos teólogos alimenta-seda exaltação da caridade como partilha, em que a dádiva divina do Verão é uma recompensa pelo acto generoso da renúncia a algo para o bem estar de outro, marca da caridade no cristianismo social que viria também até hoje. Essa faceta de Deus na ética cristã é tão actual e tão estratégica para a Igreja contemporânea que o teólogo e Papa Bento XVI já sentiu  necessidade de a sublinhar em duas encíclicas desde o início do seu papado: Deus caritas est (2005) e Caritas in veritate (2009).
O São Martinho do vinho, do Verão e da caridade reúne, pois, os elementos de uma instituição social de enorme força popular - misticismo, sincretismo, ética - em que, como em todas as grandes metáforas da vida social, cada um encontra lugar para a sua narrativa.

O quadro de Pieter Bruegel, recentemente identificado e reproduzido acima, consegue de modo ímpar descrever o pleno sentido das metáforas de São Martinho. Ampliando-o, encontram-se pormenores admiráveis dos excessos da festa dionísiaca popular. A relação entre o sagrado e o profano está bem representada nas costas voltadas entre os que se dedicam à festa do vinho, no centro e na esquerda do quadro e o milagre de São Martinho, na direita. A virtude solitária da caridade é bem testemunhada por São Martinho e o pobre, olhando-se nos olhos, sem qualquer testemunha humana. Mas também a condenação da festa pagã desprovida da virtude fica assinalada pela posição de São Martinho e do seu cavalo, ambos focados na virtude da dádiva e não vendo o pecado que espreita na festa do lado esquerdo. Acrescente-se que São Martinho pratica a virtude para a sua direita, colocando o pobre no lugar santo à direita do Santo e em plano inferior, podendo bem simbolizar a posição de Cristo, a direita do pai. E ainda que na extrema-esquerda do quadro estão os mais tocados pelo pecado, sofrendo os efeitos da intoxicação alcoólica, na extrema oposição destra-sinistra que deixava para a última o lugar do Diabo.

9.11.12

O core business do Banco Alimentar é evitar que se deteriorem os bifes que não comemos enquanto a carne é fresca

Em 2011 as campanhas de recolha em supermercados contribuiram apenas com 10% do valor dos produtos recolhidos pelo Banco Alimentar de Lisboa. A indústria agro-alimentar, reciclando os seus excedentes, doou 43%. A reciclagem de excedentes da UE contribuiu com 22%. O Mercado Abastecedor da Região de Lisboa (de novo, os excedentes) doou  11%. As retiradas de fruta pelo IFAP (ainda os excedentes)  renderam 6%. Ou seja, ao todo, o escoamento de excedentes correspondeu a 82% do valor dos produtos distribuídos.
O Banco Alimentar precisa das campanhas de recolha em supermercados por boas razões de marketing e ao fazê-lo mantém ocupados os escuteiros e toda a rede de voluntários ligada à Igreja Católica,  que enquanto estão à porta dos supermercados a estender-nos os saquinhos estão a contribuir à sua maneira para o bem comum e a ajudar-nos a - como em todos os actos de caridade - aliviar as consciências sem resolver nenhum problema estrutural.
Espero que sejam bem-aventurados os que contribuem nestas campanhas (eu costumo contribuir),  mas não tenhams dúvidas de que core business do Banco Alimentar não é a nossa caridade, é evitar o escândalo da destruição de produtos alimentares no nosso país e na nossa Europa. É evitar que se deteriorem os bifes que não comemos enquanto a carne é fresca.
O Banco Alimentar faz de uma forma sofisticada e elegante o interface entre a oferta e a procura de alimentos que encontramos por vezes, de forma repugnante e brutal,  à porta dos supermercados ou nos caixotes do lixo das nossas ruas.
Este tipo de instituições ocupa um lugar importante dado que, se parasse, simplesmente seriam destruídos mais alimentos  e haveria mais alimentos à porta dos supermercados e no lixo com prejuízo para todos. A senhora Jonet dedica-se essencialmente à gestão de uma estrutura logística sem fins lucrativos de reciclagem das ineficiências da produção e da distribuição alimentar. O que comanda a sua actividade é a oferta (a disponibilidade) e não a procura (a necessidade).
Por isso, pessoalmente pouco me importa o que a senhora Jonet pensa da pobreza desde que gira a sua plataforma logística de modo a que os produtos sejam utilizados e distribuídos com equidade, mesmo se vão cair predominantemente numa rede confessional de distribuição. Mais vale a distribuição imperfeita do que a destruição perfeita.
Compreendo a irritação dos que se fartaram de enaltecer a senhora como campeã que nunca foi da luta contra a pobreza  e penso que deveria arrepender-se os que acharam que a sua acção era promotora dos direitos humanos. Mereceria um prémio de São Vicente de Paula, mas uma distinção por direitos humanos da Assembleia da República? Que Deus ilumine melhor no futuro o juízo das senhoras e senhores deputados.
Os que endeusaram a senhora e o Banco Alimentar sentem-se agora enganados. Mas o engano era deles e se a Senhora Jonet é uma gestora eficiente desta logística não a substituam por uma ineficiente. Podem não querer dar para o Banco Alimentar este ano, mas esse é um assunto entre vós e as vossas boas consciências, que pouco beliscará a acção do Banco.
Por mim, prefiro dedicar a minha energia a perguntar-me o que posso fazer para que diminua este tipo de procura de bens alimentares enquanto a senhora Jonet escoa a oferta.

Quando a luta aquece, ainda ninguém sabe o que, neste ciclo, acontece. Mais de metade dos seus sindicatos desobedecem à UGT na Greve Geral.

A crise social em que Portugal entrou e vai permanecer por uns anos vai afectar as instituições políticas e sociais e as que não souberem interpretar bem como devem posicionar-se em cada momento sofrerão consequências, riscos de erosão e, no limite, de fractura.
O quadro institucional do sistema político e de representação de interesses em Portugal é, com pequenas adaptações, o que resulta da gestão do PREC e do 25 de Novembro. Os grandes partidos vêm do pacto MFA-Partidos, os parceiros sociais da sua institucionalização nos anos setenta.
O nível de exposição à crise de cada uma destas instituições é variado, mas significativo. O abalo sofrido na UGT a propósito da Greve geral de 14 de Novembro é, talvez, o sinal mais forte até agora recebido do risco que refiro.
A liderança da UGT, a última instituição em Portugal gerida numa lógica de bloco central, tem apostado em manter as pontes com o governo que estão inscritas no seu código genético de sindicalismo apostado no diálogo. Mas este governo afastou-se do quadro neocorporativo que comandou o PS, a AD e os governos de Cavaco e Barroso. Não tem ministro com força e jeito para o diálogo social e não tem Primeiro-Ministro com simpatia por ele. Consequentemente, a postura dialogante da UGT tem obtido escassos resultados fora da relação com o Ministro da Segurança Social, que por sua vez foi amputado dos dossiers mais relevantes e está entre a espada do défice e a parede do seu próprio conservadorismo.
Coerente com o seu posicionamento de sempre, a liderança da UGT é muito prudente e rema contra a corrente em radicalizações de conflitos para os quais não se antevê projecto de solução e  que se esgotam no simples protesto. Tem razão essa liderança quando pensa que a radicalização, no caso sindical, é protagonizada à luz do dia pela CGTP mas emana na sombra da estratégia política do PCP. Na linguagem típica da UGT esses são os protestos  motivados por razões politico-partidárias. E quando recorre a essa linguagem para os classificar, demarca-se deles.
A greve convocada pela CGTP para 14 de Novembro foi classificada como greve geral, o que entre nós já só quer dizer greve em que se apela a todos os sindicatos que se associem e não em que se tenta paralizar o país. A UGT, coerente com o seu quadro de pensamento permanente desde a sua fundação, demarcou-se dela e não me surpreenderia que nos bastidores esteja em simultâneo a procurar algum ganho de causa com a negociação bem sucedida de algum assunto relevante.
Mas, como diria José Sócrates o mundo mudou. Os portugueses já não apostam na minoração dos efeitos das medidas deste governo. Passaram para o lado de lá da vedação, o da aspiração de que seja derrubado e as suas políticas substituídas por outras. E a densidade institucional da UGT e o peso da sua liderança sobre a organização já não é o que era. É hoje notícia que mais de metade dos sindicatos da UGT aderem à greve que a central repudia. Tal "rebelião" contra a estratégia da liderança era impensável antes do início desta crise. Pode ser apenas o sinal do ciclo de transição interna de poderes? Pode. Mas parece mais o resultado da descrença no modelo neocorporativo em que a UGT hegemonizada pelos sindicalistas do PS e do PSD foi a ganhadora estratégica mesmo sem ser nunca maioritária entre os trabalhadores. Descrença que o governo instiga pela sua insensibilidade ao diálogo social.
De facto, é a atitude do governo e a ofensiva neoliberal que comanda que está a mudar as regras do jogo das instituições democráticas e de representação de interesses em Portugal. A concertação social pode ser a penas a sua primeira vítima. Assim como o consenso com os parceiros sociais dialogantes foi deitado no lixo, os consensos institucionais com as forças políticas foi reduzido a manobres de diversão na praça pública, sem aviso prévio, preparação adequada nem vontade real de construir qualquer aproximação de posições.
No plano sindical, tudo isto resulta numa vitória táctica da CGTP e, através dela, do PCP, que era inimaginável há dois-três anos. A erosão da credibilidade da moderação da UGT, abandonada pelos seus próprios membros, deve servir para os próximos, os partidos, porem "as barbas de molho".
Quando a luta aquece, ainda ninguém sabe o que, neste ciclo, acontece. E seria terrível se aos malefícios deste governo sobre a economia e a sociedade se juntasse a colonização do espectro partidário da esquerda (e talvez a seguir da direita, mas falarei disso noutra altura) por correntes que, perdido o referencial revolucionário e sem projecto para Portugal como sistema democrático no quadro do capitalismo, são meramente oportunistas e populistas.
Oxalá me engane, mas vejo no horizonte o espaço aberto para uma ofensiva populista sobre a esquerda que só um repensar sério dos seus papeis na sociedade portuguesa por parte das forças da esquerda democrática e dos movimentos sociais não radicalizados pode conter. A UGT pode estar a ser só e ainda, apesar de tudo ao de leve, a primeira vítima.


Trending: usar o défice como desculpas para destruir a protecção social. Lá como cá.

Paul Krugman escreve sobre as pressões que Obama sofre dos "falcões do défice", mas se esta frase fosse sobre Portugal não teria que se lhe mudar uma palavra:

For one thing, the election offered confirmation of something that was actually pretty obvious: some of the most self-righteous deficit hawks are actually much more concerned with using deficits as an excuse to dismantle the social safety net than with, you know, reducing deficits. 

Paul Krugman pede que se "derrubem os falcões". Lá, como cá, diria eu.

Nuno Crato e o modelo dual alemão

Digam ao Senhor Ministro que disse isto que  esta modalidade de formação já existe em Portugal desde 1984, tinha sido testada por uma experiência-piloto desde 1980 e precisa de uma boa reforma conduzida por quem perceba o conceito de formação em alternância e acredite nela, para valorizar a formação em contexto de trabalho e o trabalho pedagógico que pressupõe. O protocolo assinado na Alemanha pode ser um bom passo nesse sentido. Mas como o Sistema de Aprendizagem é tutelado pelo Ministro da Economia e o Ministro da Educação parece desconhecer a sua existência, terão os Ministros conversado sobre o que fazer? Ou melhor, não saberá Álvaro que tutela a versão portuguesa do sistema dual alemão ou estará Crato sozinho na ignorância da sua existência?

8.11.12

Carta aberta a Angela Merkel. Subscrevi.



Só não acho a carta à Chanceler totalmente certeira porque tem um parágrafo contra os empresários que traz consigo em que, tal como a Helena Araújo, não me revejo . Que venham mil empresários alemães, americanos, suecos, chineses e que tragam investimentos geradores de empregos de qualidade, é algo que acho necessário e útil e não um "ultraje".
Mas a carta é à senhora que se julga chanceler da Europa, contra quem eu gostaria de votar, que em ano de eleições caseiras vai aumentar a despesa social no seu país - mais pensões de reforma, mais apoios a mães que ficam em casa - enquanto acha que a Europa precisa de um ciclo longo de austeridade e patrocina, se não comanda, a destruição dos edifícios de protecção social em países como o nosso com que partilha (devia partilhar) a solidariedade europeia.
A senhora Merkel tem a mesma simpatia pelos portugueses que a Senhora Jonet pelos pobres. Gosta muito deles assim, ou ainda com mais dificuldades. E de lhes dar esmolas. No caso da senhora alemã, 100 estágios para jovens, que devem custar pouco mais que a deslocação da comitiva. Políticas pobrezinhas para mostrar solidariedade com os pobres? Não, obrigado.

Com as reservas que exprimi, já subscrevi a carta, aqui.

E se a PT se concentrasse antes em dar-nos uma TDT de jeito?

Tem razão Pedro Lains. E eu acrescento que a questão da qualidade da recepção de TDT não se resume à cobertura de zonas rurais remotas. Testemunhei-o na cidade de Aveiro, supostamente uma Cidade Digital, no fim-de-semana passado. Como pode a PT viver bem com a ideia de que deu a Portugal, na era digital, uma situação em que o número de canais abertos não se expande e, ainda por cima, a qualidade da cobertura diminui? Não é aceitável que a recepção de canais abertos em Portugal seja em 2012 pior do que era em 1972.

7.11.12

Na noite passada os super-ricos americanos não perderam tudo

A boa notícia para os "super-ricos" americanos não é o resultado das presidenciais mas a manutenção do controlo do Congresso pelos Republicanos. Um estudo recentemente publicado pela American Sociological Review sustentou que o controlo republicano do Congresso é um dos factores que explicam a subida do nível de rendimento do top 1% da população americana (ver referência e abstract abaixo). Contrariar esta tendência é mais uma tarefa hercúlea do inquilino da Casa Branca.

Thomas W. Volscho e Nathan J. Kelly, "The rise of the super-rich: power resources, tazes, financial markets, and the dynamics of the top 1 percent, 1949-2008"

Abstract
The income share of the super-rich in the United States has grown rapidly since the early 1980s after a period of postwar stability. What factors drive such changes?
In this study, we investigate the institutional, policy, and economic shifts that explain rising income concentration. We utilize single-equation error correction models to estimate the long and short-run effects of politics, policy, and economic factors on pre-tax top income shares between 1949 and 2008. We find that the rise of the super-rich is the result of rightward-shifts in Congress, the decline of labor unions, lower tax rates on high incomes, increased trade openness, and asset bubbles in stock and real estate markets.

America moves forward; "love, charity, duty, patriotism; that's what makes America great" (Obama's victory speech)

É possível fazer jornalismo com rigor e contenção. Será necessário que o objecto da notícia seja um jornalista?

Alguém "terá tentado" agredir um Ministro. Terá sido um jornalista. A notícia é dada com objectividade, rigor e contenção e protegendo a identidade do suspeito de agressão. O suspeito é um jornalista, antigo colaborador do Público e do Expresso, não é um cidadão anónimo. Porque se o fosse, já saberíamos todo o seu Bilhete de Identidade. E se fosse político ou antigo político, então...

6.11.12

Obama desceu à terra no Ohio


As sondagens dão a Barack Obama boas hipóteses de ganhar as eleições de hoje e ainda bem. Mas nesta campanha nada foi como há 4 anos. Há muitas décadas que ninguém ganha a reeleição partindo de tão baixos níveis de popularidade. E talvez nada possa tão sinteticamente simbolizar a luta árdua pela reeleição quanto o facto de que, num Estado decisivo para o desfecho da batalha presidencial - o Ohio - Obama tenha sido por duas vezes, no lançamento e no encerramento da campanha, incapaz de encher um estádio com menos 20 000 lugares. O Obama que arrastava multidões desceu à terra no Ohio, ainda que tudo aponte para que consiga a reeleição que os republicanos tentaram desde o primeiro dia do seu mandato impedir que acontecesse.

A propósito da redefinição da igualdade: entrevista a Pierre rosanvallon

O blogue Sociologos Plebeyos publica uma entrevista com Pierre Rosanvallon, a propósito do lançamento da versão castelhana de A Sociedade dos Iguais, que é uma forma interessante de nos introduzir à sua proposta de regresso ao valor da igualdade, dando-lhe um âmbito contemporâneo que permita saír da fuga para a equidade ou da sua redução à igualdade de oportunidades.


Pregunta. Usted no propone identificar nuevos instrumentos para promover la igualdad sino redefinir el concepto. 

Respuesta. Hasta ahora la igualdad se ha pensado remitiéndola a la idea de justicia y también identificándola con el igualitarismo, como sucedió en el siglo XIX. El concepto que sugiero entiende la igualdad como relación social. De lo que se trata es de vivir como iguales, reconociendo la singularidad de cada cual. La experiencia de las utopías igualitarias, que acabaron en el totalitarismo, hizo que incluso la izquierda prefiriese hablar de equidad y no de igualdad. A mi juicio, claro que hay que hablar de igualdad, pero entendiéndola como relación social y no como distribución igualitaria. 

 P. Se ha preferido hablar de equidad pero también circunscribir la igualdad a la igualdad de oportunidades. Usted ve esta evolución con reservas. 

 R. En último extremo, se convierte en una forma de legitimar la desigualdad. Si se alcanzara una igualdad de oportunidades perfecta, entonces las desigualdades serían naturales y, por tanto, habría que resignarse a aceptarlas. Dada la infinita variedad de talentos y habilidades de los individuos, la sociedad sería inhabitable. Mi idea es que son necesarias políticas que fomenten la igualdad de oportunidades —pensemos en la sanidad o en la educación—, pero que la igualdad de oportunidades no puede convertirse en una filosofía. 

P. Políticas, en definitiva, que corrijan el desequilibrio que usted observa entre ciudadanía política y ciudadanía social. 

 R. Al desaparecer el horizonte del igualitarismo tras el fracaso del socialismo de la colectivización, solo sobrevivió la idea de la igualdad de oportunidades. Blair y la tercera vía la colocaron en el primer plano de la reflexión y de la acción de gobierno, pero no definieron una visión social alternativa. Las desigualdades crecieron y, como dijo Rousseau, la desigualdad material no es un problema en sí misma, sino solo en la medida en que destruye la relación social. Una diferencia económica abismal entre los individuos acaba con cualquier posibilidad de que habiten un mundo común.

Rosanvallon pisa o terreno do regresso às origens da ideia da igualdade de estatutos da Revolução Francesa, pensando nas desigualdades sociais contemporâneas.

5.11.12

Por falar em refundar a política do governo


O Presidente da República deve avaliar se há condições para nos mantermos nesta situação de bloqueio institucional em que ninguém levanta a voz para defender uma medida do Governo e o país se levanta contra todas elas. Solução? Em democracia, as eleições são sempre a solução para resolver impasses e contradições entre governos, maiorias parlamentares e povos.

"O que é preciso é refundar a política do Governo e reformular esta austeridade sem saída." (Ferro Rodrigues, no debate do Orçamento de Estado para 2013)

As palavras são de Ferro Rodrigues e a sua escolha para título do post resulta de um furto à Câmara Corporativa
Foram ditas na Assembleia da República no encerramento do debate do Orçamento de Estado para 2013, num texto que a Isabel Moreira disponibilizou na íntegra no Aspirina B. Para que se deguste o que aí se encontra aqui fica um excerto:   


Vem aí um novo conjunto de metas que são incumpríveis, porque foram traçadas com base em pressupostos falsos, em cenários irreais e em projeções fantasiosas. E isso já se começa a ver. O apelo a uma misteriosa “refundação” do acordo com a troika anuncia o que aí vem. Depois de esgotada a margem para os aumentos de impostos, anuncia-se uma tentativa de ataque final às funções sociais do Estado. No fundo, recuperando aquilo que o PSD tentou lançar numa célebre proposta de Revisão Constitucional que foi obrigado a fechar numa gaveta, muito antes de qualquer troika. É essa a gaveta que agora se abre de novo. O Governo quer sim refundar a unidade da direita, tentar pôr a classe média contra o estado social, remeter à marginalização os sociais democratas que ainda resistem.E o Governo já mostrou ao que vem: quer arrastar o PS para essa descida ao abismo. Mas já tiveram a resposta: o que é preciso é refundar a política do Governo e reformular esta austeridade sem saída. O que é preciso é tirar partido das posições mais flexíveis das instituições europeias e internacionais, em vez de as rejeitar. O que é preciso é lutar por explorar as margens de alteração de prazos, de juros, de metas. Com coragem, com frontalidade, com verdade, em nome do interesse nacional. Em vez de aceitar como uma fatalidade muito conveniente o caminho para que nos estão a empurrar.