22.9.11

Turquia: realinhamento estratégico pós Primavera árabe

A Turquia pode ser a grande beneficiária geoestratégica da Primavera àrabe e está a agir em conformidade. Em princípio, o resultado final, embora ainda incerto, dos regimes nascentes no Egipto, na Tunísia e na Líbia será uma democracia formalmente secular com grande influência política de partidos de base islâmica de um novo tipo, para os quais o AKP, o partido maioritário na Turquia, será um exemplo.
Ao nível partidário, o AKP não tem popupado esforços para tecer relações de influência com estas forças emergentes da clandestinidade ou da semilegalidade e para forjar laços com as frentes políticas em formação e que resultam do encontro entre velhos islamistas (tipo Irmandade Muçulmana) e movimentos radicalizados (frequentemente perto do terrorismo ou da luta armada, por vezes mesmo com ligações a Al Qaeda). Este pós-radicalismo islâmico pode vem ser a força emergente nos próximos anos e a nova força política dominante no Médio Oriente e é difícil imaginar que o AKP não se torne numa plataforma influente na definição do caminho dessas forças emergentes.
Ao nível diplomático, a Turquia também está a fazer realinhamentos sérios. Acolheu a primeira grande conferência de apoio à reconstrução da Líbia e está, em simultâneo a retomar uma ligação estratégica com o Egipto e a romper, passo a passo, a aliança que nos últimos anos teve com Israel. Agora, anunciou uma excepção na sua política de "zero problemaqs" com os vizinhos para anunciar que já não fala com o regime sírio, antecipando a sua adesão a sanções. Pelo meio, foi na Turquia que reuniu o conjunto disperso das forças de oposição na tentativa de formar algo equivalente ao Conselho nacional de Transição da Líbia.
A Turquia parece estar a fazer tudo para passar de uma excepção secular nos países de cultura islâmica, para uma força agregadora de um pólo de regimes pluralistas em que as forças islamistas são sufragadas pelo voto popular em eleições livres. Ou, se quisermos antecipar uma tendência provável, para a potência hegemónica de um novo modelo de regime político, o secularismo islâmico, que tem paralelos significativos com o domínio da democracia-cristã em certos períodos da história da Europa Ocidental.
Em princípio são boas notícias, embora tornem ainda mais completo o xadrez da política de alargamento da União Europeia e possa abrir fissuras na OTAN. Ao que se junta a magna questão do conflito israelo-palestiniano.
Israel pode estar perto de ser um dos grandes perdedores da Primavera árabe, a par dos que pensavam que a Europa Ocidental e os EUA podiam ter uma política para a região assente nos interesses económicos e na cooperação militar com regimes autocráticos e opressores, em nome da contenção do radicalismo islâmico.

2 comentários:

FNV disse...

Caro Paulo Pedroso,
Secularismo islâmico? O Sourosh ( o Lutero do Islão...), e o Shabestari asseguram ser impossível.
É claro que pode a vir ser possível , mas se for só daqui a 300 ou 400 anos, como aconteceu na Europa com o cristianismo,temos problemas.

Cumprimentos,
FNV

Paulo Pedroso disse...

Há que separar duas coisas, embora interligadas. Uma é saber se há teólogos que sustentem o secularismo islâmico. Outra é saber se há instituições políticas e protagonistas que consolidem, apesar dos teólogos, um regime político com essas características. Com conflitos e tensões, mas o que está a acontecer na Turquia é a afirmação de um modelo político que evolui de um laicismo republicano à francesa para um regime islâmico secular, com um partido "demo-islâmico" dominante, o que torna o conceito possível até prova em contrário.
Obama frequentava uma igreja com um pastor radical, mas não é o Presidente desse pastor.Nada diz que isso é irreplicável no Médio Oriente das revoluções espalhadas por redes sociais.